quarta-feira, 30 de março de 2011

SIMMEL, Georg


GEORG SIMMEL: Filho de Edward Simmel e Flora Bodstein, Georg Simmel (Berlim, 01/03/1858)  foi o último dos sete filhos do casal com ascendência judia tanto pelo lado do pai como da mãe; foi um sociólogo alemão. Professor universitário admirado pelos seus alunos, sempre teve dificuldade em encontrar um lugar no seio da rígida academia do seu tempo.

Em 1874 Edward Simmel morre e Julius Friedländer, amigo da família, torna-se tutor de Georg tendo-lhe, mais tarde, deixado uma herança expressiva a qual lhe permitiu seguir a vida acadêmica.
Diplomou-se na Universidade de Berlim passando pelos cursos de filosofia. Sua tese de doutorado, também em filosofia, levou o título de A natureza da matéria segundo a monadologia física de Kant e rendeu-lhe o título no ano de 1881.

Em 1885 foi designado como Privatdozent na mesma Universidade de Berlim e ganhava apenas o que vinha das taxas pagas pelos estudantes que se inscreviam em seus cursos. Em 1901, tornou-se ainda "professor extraordinário", mas jamais foi incorporado de modo formal e definitivo na academia berlinense.
Em 1890 casou-se com Gertrud Kinel, diplomada também em Berlim, de família católica. Os dois não tiveram filhos.

Em 1912, ele foi nomeado professor em Strasbourg, então uma cidade que pertencia ao Império Germânico. No entanto, o autor faleceu em Estrasburgo, 28/09/1917, aos 60 anos de idade.

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FONTE (http://pt.wikipedia.org/wiki/Georg_Simmel)

POR QUE AS PESSOAS MIGRAM?


"Por que as pessoas migram? Eis uma pergunta tradicional que nunca recebeu uma resposta completa, mas que deu ensejo a muitas publicações e debates. A questão básica envolve o peso dos fatores de expulsão ou de atração e a maneira como se equilibram. Para começar, deve-se dizer que a maioria dos migrantes não deseja abandonar suas casas nem suas comunidades. Se pudessem escolher, todos - com exceção dos poucos que anseiam por mudanças e aventuras - permaneceriam em seus locais de origem. A migração, portanto, não começa até que as pessoas descobrem que não conseguirão sobreviver com seus meios tradicionais em suas comunidades de origem. Na grande maioria dos casos, não logram permanecer no local porque não têm como alimentar-se nem a si próprias nem a seus filhos. Num número menor de casos, dá-se a migração ou porque as pessoas são perseguidas por sua nacionalidade - como as minorias dentro de uma cultura nacional maior - ou seu credo religioso minoritário (dos judeus aos menonitas e aos dissidentes da Igreja russa ortodoxa) é atacado pelo grupo religioso dominante.
Uma vez que as condições econômicas constituem o fator de expulsão mais importante, é essencial saber por que mudam as condições e quais são os fatores responsáveis pelo agravamento da situação crítica que afeta a capacidade potencial dos emigrantes de enfrentá-la. Nessa fórmula, três fatores são dominantes: o primeiro é o acesso à terra e, portanto, ao alimento; o segundo, a variação da produtividade da terra; e o terceiro, o número de membros da família que precisam ser mantidos. Na primeira categoria estão as questões que envolvem a mudança dos direitos sobre a terra, suscitadas via de regra pela variação da produtividade das colheitas, causada, por sua vez, pela modernização agrícola em resposta ao crescimento populacional. Nas grandes migrações dos séculos XIX e XX - época em que chegaram à América mais de dois terços dos migrantes -, o que de fato contava era uma combinação desses três fatores."
KLEIN, Herbert S. Migração internacional na história das Américas. In: FAUSTO, Boris. Fazer a América? A imigração em massa para a América Latina. São Paulo: Edusp, 2000. p. 13-14.

GEORG SIMMEL


Inúmeros são os autores que tratam o tema da migração, imigração e emigração. Nossa sugestão é a de que você o desenvolva utilizando a análise que Georg Simmel faz do estrangeiro, com o objetivo de pensar juntamente com os alunos como a mobilidade espacial de pessoas provoca mudanças nas sociedades e nas relações sociais.
Sugerimos que primeiro seja feita uma breve apresentação da figura de (1858-1918), destacando o fato de que ele:
a) Nasceu na Alemanha e que seus pais eram judeus convertidos ao protestantismo ­nessa última religião Georg Simmel foi batizado. O fato de vir de uma família com origem judaica, mesmo que convertida, era motivo de preconceito.
b) Em virtude de tal preconceito e do fato de ser um crítico dos valores dominantes em sua época, só conseguiu o cargo de professor contratado em tempo integral em 1914, apenas quatro anos antes de morrer de câncer, em 1918. Permaneceu, portanto, durante muitos anos como professor não contratado. Só recebia se alunos se inscrevessem nos seus cursos, caso contrário, não. Como suas aulas estavam sempre repletas de alunos, pois era visto como um bom professor e homem brilhante, ele conseguia algum ganho. Mas o seu sustento vinha muito mais de uma herança que recebera pelo falecimento de seu tutor (MORAES FILHO. 1983).
c) Simmel não procurou criar uma grande teoria. Na verdade, era a favor de escrever ensaios (pequenos textos instigantes sobre um tema) e por isso trabalhou os mais diferentes temas, como: a ponte e a porta. o adorno, o jarro, a coqueteria, a filosofia de uma forma geral (do dinheiro e do amor, por exemplo), entre muitos outros.
d) O mais importante é destacar que, de certa maneira, por ser ex-judeu, Simmel sentia-se um estrangeiro, pois era tratado como tal. Desta forma, os alunos poderão compreender a importância do estrangeiro para o próprio Simmel.
Não se esqueça de destacar alguns pontos importantes dessa análise:
1.     O primeiro é que é preciso distinguir o viajante do estrangeiro. O estrangeiro para Simmel é aquele que chega e não vai embora. Logo, não é um mero viajante. É a figura que se muda de um lugar para outro, para ali residir, e não o turista.


2.     Como ele é estrangeiro, sua posição em relação ao grupo é marcada pelo fato de não pertencer ao grupo desde o início do mesmo ou desde que nasceu.
Simmel não aborda esse aspecto, mas é válido destacar que, em alguns casos, você pode até ter nascido no lugar e mesmo assim sentir-se e ser considerado pelos outros como um estrangeiro, ou seja, a figura do estrangeiro pode se parecer com a do estranho. A mudança também não precisa ser necessariamente de país. Pode ser de Estado, cidade ou bairro.
3.Destacar ainda a ambiguidade do estrangeiro em relação ao grupo. Ele é um elemento do grupo, mesmo que não se veja como um, ou que não seja visto como parte dele pelos demais membros do grupo.
Ou seja, é um elemento do conjunto, assim como são os indigentes ou os mendigos e toda espécie de "inimigos internos" (1983, p. 183). Com isso, Simmel quis dizer que mesmo aqueles que não são queridos por um grupo ou são tratados como iguais, também fazem parte dele. Ou seja, o estrangeiro tem ao mesmo uma relação de proximidade e envolvimento com o grupo, de um lado. E de outro, uma relação de distância e indiferença. Ele vive cotidianamente com aquelas pessoas; logo, está relativamente próximo e envolvido com elas. Contudo, como com frequência é tratado tal qual um "de fora", e se sente à parte do grupo, pode muitas vezes desenvolver um sentimento de distância e indiferença (1983, pp.184-186). O estrangeiro é, portanto, o estranho portador de sinais de diferença, como a língua, os costumes, a alimentação, modos e maneiras de se vestir.
Ele não partilha tantos hábitos, costumes e ideias com o grupo e, sendo assim, também não partilha certos preconceitos do grupo e não se sente forçado a agir como um dos membros. Os laços que o unem são muitas vezes mais frouxos do que aqueles que unem os outros membros que ali estão desde o seu nascimento (1983, pp.184-185). 

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Fontes: (SÃO PAULO-SEE, Caderno do professor: sociologia, EM, 2ª S., V.1, pp.20-21)

domingo, 20 de março de 2011

MORAL NOSSA DE CADA DIA, A




“Duas coisas me enchem a alma de admiração: acima de mim o céu estrelado e, dentro de mim, a lei moral”. KANT


“Isso é moral”, “movimento pela ética na política”, “ética profissional dos médicos” – essas expressões demonstram que a moral e a ética estão presentes em nosso dia-a-dia, seja na vida particular, na família, na educação, no trabalho ou na política.
O fenômeno moral é tão antigo quanto a história da humanidade. A prova mais antiga de sua presença são As máximas de Ptahotep (cerca de 2500 a.C.). Essa prova reúne aforismos que Ptahotep, ministro de um faraó, compôs para orientar a educação do filho, aconselhando-o a ser leal, tolerante, bondoso e, acima de tudo, reto e justo.
Mas o que é moral? O que é ética? Qual a diferença entre as duas? A moral é relativa?
Essas e outras questões importantes você vai estudar neste capítulo, começando pela consciência.

Quer saber mais? Siga o link:
 Moral nossa de cada dia, A

FONTE: BÓRIO, E.M. A moral nossa de cada dia, pp.55-74 Apud AAVV. Para filosofia. São Paulo: Scipione, 2000.

quarta-feira, 16 de março de 2011

KARL POPPER


FALSEABILIDADE E LIMITES DA CIÊNCIA

Carlos Roberto de Lana*
Especial para a Página 3 Pedagogia & Comunicação
Karl Popper nasceu em 1902, praticamente junto com o século 20. Nessa época, a ciência parecia ter atingido o auge do prestígio. A revolução industrial iniciada na Inglaterra do século 18 se fundamentou na divisão e organização do trabalho e nas novas tecnologias que aproveitaram as possibilidades abertas pela ciência determinista de sir Isaac Newton.
A utilização maciça das aplicações técnicas do conhecimento científico produziu um período de progresso material acelerado, no qual a humanidade avançou mais em dois séculos neste campo do que nos quatro mil anos anteriores. Esse progresso acelerado colocou o conhecimento científico numa posição de destaque, que, no século 19, culminou no cientificismo, a crença de que tudo poderia ser explicado pela ciência, que deveria ser colocada acima de todos os outros modos do saber.

Supervalorização da ciência
Essa combinação de fatores sócio-históricos gerou grandes distorções, como o fato de a ciência, tornada laica pelo iluminismo europeu, ganhar status religioso em doutrinas como o positivismo e outras, durante o século 19 e início do 20.
É neste ambiente de supervalorização do progresso científico e de deturpação da natureza original da ciência que surge Karl Popper, que se tornaria o mais influente e respeitado filósofo da ciência entre os homens que a fazem nos dias de hoje. Austríaco de nascimento e britânico por opção, Popper é o autor da definição atualmente mais aceita de teoria científica:
"Uma teoria científica é um modelo matemático que descreve e codifica as observações que fazemos. Assim, uma boa teoria deverá descrever uma vasta série de fenômenos com base em alguns postulados simples como também deverá ser capaz de fazer previsões claras as quais poderão ser testadas."
Com esta definição, a simplicidade e a clareza voltavam a ser virtudes identificadoras da boa ciência, que assim se separa das mistificações que nos dois séculos anteriores tentaram pegar carona em seu prestígio.

Observação e teorização
Popper defendeu que, se a ciência se baseia na observação e teorização, só se podem tirar conclusões sobre o que foi observado, nunca sobre o que não foi. Assim, se um cientista observa milhares de cisnes, em muitos lugares diferentes e verifica que todos os cisnes observados são brancos, isto não lhe permite afirmar cientificamente que todos os cisnes são brancos, pois, não importa quantos cisnes brancos tenham sido observados, basta o surgimento de um único cisne negro para derrubar a afirmação de que eles não existiriam.
Assim, qualquer afirmação científica baseada em observação jamais poderá ser considerada uma verdade absoluta ou definitiva.Uma teoria científica, no máximo, pode ser considerada válida até quando provada falsa por outras observações, testes e teorias, mais abrangentes ou exatos que a original.

Falseabilidade
A possibilidade de uma teoria ser refutada constituía para o filósofo a própria essência da natureza científica. Assim, uma teoria só pode ser considerada científica quando é falseável, ou seja, quando é possível prová-la falsa. Esse conceito ficou conhecido como falseabilidade ou refutabilidade.
Segundo Popper, o que não é falseável ou refutável não pode ser considerado científico. As teorias da gravitação universal de sir Isaac Newton são científicas, por que além de se enquadrarem na definição ao propor equações simples que descrevem os modelos cósmicos gravitacionais, também é possível se fazer previsões acertadas com base nelas. E as teorias de Newton também são falseáveis. Tanto que o foram, quando Albert Einstein com sua Teoria da Relatividade demonstrou que a mecânica newtoniana não era válida em velocidades próximas à da luz.

Teoria da relatividade
O clássico experimento do eclipse, no qual Einstein provou que a luz era afetada pelos campos gravitacionais e o experimento posterior, que provou que cronômetros de altíssima precisão postos em alta velocidade em relação à Terra apresentavam pequenos atrasos quando comparados a cronômetro idêntico mantido imóvel na superfície, trouxe a ciência aos novos tempos em que o tempo não mais era absoluto.
Mesmo assim, as teorias de Newton continuam válidas para a maioria das aplicações cotidianas, quando a influência da velocidade pode ser considerada desprezível para as aplicações práticas. A ciência mais uma vez mostrava seu poder de se renovar e melhorar a partir de suas próprias definições. Por outro lado, seguindo as definições e o conceito da falseabilidade de Popper, a astrologia de horóscopo moderna não pode ser considerada científica.
Todo o gigantesco arcabouço da mecânica newtoniana, o mais prestigiado modelo científico de todos os tempos, foi falseado por dois experimentos simples e uma equação magistral (E = mC2). Mas não existem experimentos possíveis que possam falsear a teoria de que a posição de determinados corpos celestes afetam a vida de pessoas nascidas em determinado período de determinada forma. A abrangência das previsões e a falta de um modelo simples e claro que as expliquem tornam a astrologia de horóscopo não falseável e, portanto, não científica.

Limites da ciência
Com Popper, os limites da ciência se definem claramente. A ciência produz teorias falseáveis, que serão válidas enquanto não refutadas. Por este modelo, não há como a ciência tratar de assuntos do domínio da religião, que tem suas doutrinas como verdades eternas ou da filosofia, que busca verdades absolutas.
O melhor no velho filósofo, que se opôs ao nazismo e dedicou sua vida à defesa de boas causas, é que suas teorias se aplicam a elas próprias. Assim, se amanhã alguém redigir uma melhor definição de teoria científica, as idéias de Popper humildemente sairão de cena para tomar seu lugar na história da ciência. Entre as muitas virtudes que nossa ciência adquiriu dos grandes sábios que lhe deram grandeza, Popper nos mostrou uma ciência que se faz grande na virtude da humildade.

Bibliografia
http://educacao.uol.com.br/filosofia/ult3323u34.jhtm

RAPTO DE PERSEFONE


O RAPTO DE PERSÉFONE
Hades, o deus dos infernos, andava inquieto com a agitação que vinha abalando os fundamentos do monte Etna, na Sicília. De fato, o vulcão que ali existia parecia mais irado do que nunca, cuspindo fumaça e faíscas para todos os lados. Sabedor de que o interior daquelas montanhas abrigava o gigante Tifão — que fora anteriormente derrotado por Zeus e ali acorrentado -, Hades decidira ir ver pessoalmente o que estava ocorrendo.
Tomando a carruagem da noite, o deus subterrâneo percorria a terra, no caminho do monte Etna, quando avistou um grupo de mulheres que colhiam flores no campo. Enquanto isto Afrodite, a deusa do amor, observava tudo, tendo ao lado o filho Eros.
— Veja, meu filho — disse Afrodite, pegando o braço do jovem -, parece que o deus dos infernos decidiu dar uma voltinha à luz do dia.
— O coitado deve estar cansado de toda aquela escuridão — disse Eros. -Deve ser horrível, afinal, ser o rei de um mundo de mortos.
De repente, Afrodite, dando-se conta de algo, encostou sua boca à orelha de Eros:
— E se lhe arrumássemos algo que o distraísse de sua solidão?
Os olhos do jovem pareceram se iluminar. Eros pegou rapidamente o seu arco, escolhendo a flecha mais aguda de sua aljava repleta de setas.
— Já entendi, mãe... — disse, caprichando na pontaria.
Uma flecha dourada cortou o ar, indo atingir em cheio o coração do deus infernal. No mesmo instante, Hades ficou apaixonado pela mais bela das mulheres que tinha diante dos seus olhos. Era Perséfone, filha de Deméter, a deusa da fertilidade e da agricultura; a jovem podia ser considerada uma digna filha de sua mãe, com seus longos cabelos da cor do trigo.
Tomado por um ímpeto verdadeiramente infernal, Hades colheu as rédeas cor de ferro que seguravam seus negros cavalos e se lançou em direção ao grupo de moças que circundavam a encantadora presa. Assustadas com a aproximação do carro negro, todas correram em diversas direções, deixando Perséfone desprotegida. Hades, aproveitando o descuido, suspendeu a moça com o braço, arrebatando-a aos céus em seu carro veloz.
Foi em vão que a filha de Deméter clamou por socorro: Hades, mantendo-a solidamente presa em seus braços, a conduzia para cada vez mais longe. Descendo, afinal, o seu carro, o deus das trevas preparava-se para golpear o solo com seu tridente e abrir caminho para retornar ao seu mundo subterrâneo, quando a ninfa Aretusa, que estava ali por perto, ainda tentou detê-los:
— Espere, cruel divindade! Deixe-a em paz!
Hades, sem lhe dar ouvidos, fendeu a terra com um golpe poderoso de seu tridente. Um abismo abriu-se aos pés de ambos. Antes, porém, que o raptor e sua presa entrassem pela negra passagem, Hades, temendo que a ninfa Aretusa viesse a dar com a língua nos dentes, transformou-a em uma fonte. Os cavalos relincharam, felizes de regressarem à sua escura morada, enquanto Perséfone perdia os sentidos ao ver-se prestes a adentrar aquela escuridão sem fim. — Vamos, você será agora a rainha dos infernos! — disse Hades, dando um beijo na face desmaiada de Perséfone, antes de chicotear com furor os seus cavalos da cor da noite. Deméter, no mesmo dia, foi alertada pelas amigas de Perséfone, que lhe contaram em detalhes o rapto e o seu autor.
— Hades?! — exclamou Deméter, incrédula. — O que fará aquele maldito à minha filha?
Desesperada, a deusa saiu a pé, do jeito que estava, em busca de Perséfone. Percorreu a terra durante o dia inteiro, sem encontrar nem sinal da filha. Quando a noite chegou, acendeu uma tocha e prosseguiu em sua solitária e desesperada busca. Assim que Deméter avistou Selene, a deusa da Lua, deteve o seu passo.
— Por acaso você não viu, poderosa deusa, a minha filha sendo levada num grande carro conduzido por Hades? — perguntou, esperançosa.
Infelizmente, Selene nada vira. Durante a noite inteira Deméter percorreu a terra, iluminada apenas pelas estrelas e pela Lua, que intensificou seus raios para ajudá-la a encontrar a filha. Quando o dia amanhecia, Deméter encontrou-se com a Eos, que já vinha adiante, precedendo o radiante carro de Apolo, o deus do Sol.
— Eos querida, perdi minha filha! — disse Deméter, em prantos. — Você, por acaso, não a viu passar num carro puxado por negros cavalos?
Também Eos nada vira. Estava disposta a ajudar na procura, mas Hélio a impelia para frente, não dando tempo para que continuasse sua conversa.
Durante vários dias e várias noites, Deméter continuou em seu périplo inútil, esquecida de seus deveres para com a natureza. Logo a terra começou a se tornar estéril. As águas não desciam mais do céu para regar as plantações, e a fome começou a se espalhar por tudo. Um dia, completamente desanimada, Deméter sentou-se numa pedra, curvando a exausta cabeça sobre o peito. Assim esteve um bom tempo, abatida, quando percebeu que a seu lado uma fonte cantante respingava suas águas sobre si. Passando os olhos sobre o espelho das águas, Deméter percebeu nele o desenho do rosto de Aretusa, uma das ninfas mais íntimas de sua filha. Ainda que um pouco turvada pela fonte, a imagem a encarava com indizível pena.
— Aretusa, o que houve com você? — disse a deusa, sem obter nenhuma resposta, pois, com a metamorfose, a ninfa havia perdido o dom da fala.
Entretanto, por alguns sinais que a deusa logo compreendeu, a ninfa fez entender que sua amiga havia sido engolida pela terra, ali, naquele local. Deméter viu confirmada essa suspeita ao divisar flutuando sobre as águas da fonte o cinto de sua adorada filha. Apanhando-o, secou-o em seu seio, mas logo o encharcou novamente, com suas lágrimas.
Sem meios de poder descer até as profundezas do reino de Hades, Deméter decidiu subir aos elevados domínios de Júpiter, pai de Perséfone.
— Deus dos deuses, preciso de sua ajuda! — exclamou Deméter, ao mesmo tempo aflita e determinada. — Quero que obrigue Hades a me devolver a minha filha.
— Hades é senhor em seus domínios... — tergiversou Zeus, dando a entender que não queria problemas com seu irmão das trevas.
— Ele que vá para o inferno! — bradou Deméter, completamente impotente.
— Ele já está lá, querida... — disse Zeus, sem saber o que dizer. Deméter, no entanto, não estava para graças:
— Não tenho tempo nem ânimo para seus gracejos! — rugiu.
— Então vá lá para baixo, que é seu lugar, e coloque em ordem outra vez a terra, da qual você tem se descuidado há vários meses — disse Júpiter, tentando impor sua autoridade.
— Ela vai continuar assim, sem brotar mais um pé de couve sequer, enquanto eu não tiver minha filha de volta — respondeu, categórica, a deusa da fertilidade e da agricultura.
O grande Júpiter, ao perceber que sua esposa Juno já se aproximava para ver o que estava acontecendo, resolveu contemporizar, pois sabia que duas mulheres iradas era demais para ele ou qualquer outro deus:
— Está bem, façamos então assim: sua filha poderá retornar para a Terra, desde que não tenha comido nada nos infernos, pois assim determinaram as Moiras.
A condição parecia meio absurda, mas Deméter não tinha alternativa e, por isto, resolveu ir pessoalmente ao reino de Hades. Esteve longo tempo nas margens do Aqueronte, aguardando a chegada da barca de Caronte, que a transportaria até o reino das sombras. Quando o velho barqueiro se aproximou, Deméter imediatamente embarcou.
— Vamos com calma! — disse o velho, ameaçando-a com o remo.
— Cale-se e me leve logo até a outra margem! — ordenou Deméter.
Uma vez desembarcada, foi barrada por Cérbero, o terrível cão de três cabeças que guarda os portões do inferno. Mas uma mãe que procura a filha não se deixa intimidar por qualquer coisa. Com o facho que levava numa das mãos desceu uma bordoada sobre as três cabeças do cão ao mesmo tempo, que saiu ganindo inferno adentro. Sem dar ouvido a nada nem a ninguém, foi avançando pelas regiões escuras.
A deusa avançou tanto que em breve tinha diante de si o deus infernal instalado em seu trono, tendo ao lado sua filha. Esta, enxergando a mãe, lanço-se se em seus braços, num abraço longo e emocionado.
Deméter, sem poder emitir qualquer palavra, apenas a enxergava com os olhai nublados. Depois de recomposta, quis saber como ela se sentia ali.
— Bem, não é tão mal assim... — disse a filha, relanceando disfarçadamente o olhar para seu marido, que observava de longe a cena, evitando, porém, se intrometer. — Mas como pode ser feliz aqui, nesta escuridão?
— É que aqui eu sou rainha, mãe, senhora absoluta de todos estes domínios.
— Mas e este seu marido terrível? — disse Deméter, lançando um olhar feroz para o deus subterrâneo, que olhou para os lados, temeroso da vingança da sogra.
— Bem, ele foi um tanto intempestivo na sua maneira de se declarar para mim, reconheço — disse Perséfone, com ar condescendente. — Mas sempre a tratou com muita atenção e delicadeza, como uma legítima rainha — completou a moça, que parecia realmente feliz com seu novo estado.
Mas sua mãe não podia suportar a idéia de tê-la para sempre longe de si, por isto lhe perguntou:
— Minha filha, você já comeu algo desde que chegou aqui?
— Por quê? Pareço muito magra? — perguntou Perséfone.
— Apenas responda — disse Deméter, ansiosa. Perséfone pensou por algum tempo e depois declarou:
— Bem, comi apenas uma romã que colhi nos jardins de Hades.
Deméter quase tombou desfalecida ao chão, de tanta tristeza diante dessa terrível revelação. Abandonando momentaneamente a filha, foi falar com o deus dos infernos, para tentar reverter a situação, mas Hades mostrou-se resoluto, recusando-se a perder a esposa. Uma terrível discussão ameaçava se instalar entre a sogra e o genro, quando Perséfone propôs uma solução que agradaria a todos:
— Façamos assim, mãe: a metade do ano passarei aqui em meus domínios e a outra metade em sua companhia, na Terra. Que tal acha disso?
Deméter e Hades chegaram, assim, a um acordo que parecia ser a única solução consensual. Como já estivesse na época da floração, Perséfone seguiu com sua mãe de volta à terra, para passar sua primeira temporada, disposta a regressar dentro de seis meses, conforme o  combinado.
Deméter retomou seus cuidados com a Terra, e é assim que Perséfone alterna a sua vida: durante os meses de calor passeia pela Terra, dando vida e fecundidade a tudo, e durante os meses de frio e escuridão recolhe-se para as profundezas da terra, deixando a natureza despida de seus benefícios.

terça-feira, 1 de março de 2011

APOLOGIA DE SOCRATES, por Platao


Apologia de Sócrates
por Platão
Primeira Parte - Sócrates apresenta sua defesa
I
O que vós, cidadão atenienses, haveis sentido, com o manejo dos meus acusadores, não sei; certo é que eu, devido a eles, quase me esquecia de mim mesmo, tão persuasivamente falavam. Contudo, não disseram, eu o afirmo, nada de verdadeiro. Mas, entre as muitas mentiras que divulgaram, uma, acima de todas, eu admiro: aquela pela qual disseram que deveis ter cuidado para não serdes enganados por mim, como homem hábil no falar.
Mas, então, não se envergonham disto, de que logo seriam desmentidos por mim, com fatos, quando eu me apresentasse diante de vós, de nenhum modo hábil orador? Essa me parece a sua maior imprudência, se, todavia, não denominam "hábil no falar" aquele que diz a verdade.
Porque, se dizem exatamente isso, poderei confessar que sou orador, não porém à sua maneira.

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