quinta-feira, 4 de março de 2010

ARVORE DO SABER, Descartes

Descartes definira para si a missão de construir um sistema filosófico completo, isto é, ele pretendia unificar a filosofia, o que quase uma redundância, pois para a filosofia verificava “um perfeito conhecimento de todas as coisas que o homem pode saber, tanto para a conduta da sua vida como para a conservação de sua saúde e a invenção de todas as artes”. Em Princípios da filosofia, o filósofo representa a unificação do conhecimento por meio da imagem da “árvore do saber”, nas quais as raízes são a metafísica, o tronco é a física e os ramos são a mecânica e, a medicina e a moral. A metafísica tem, portanto, papel fundamental: ela é a base sobre a qual se sustentam todas as outras ciências. Por sua vez, a posição da física na árvore do saber revela a visão mecanicista do filósofo em relação à realidade, uma vez que a física na árvore era o tronco do qual sairiam as demais ciências. Isso significa que mecânica, moral e medicina serão explicadas tendo por base os corpos e seus movimentos. Note-se que a teologia está fora do projeto cartesiano, marcando definitivamente a separação entre ciência e religião.
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"De acordo com o prefácio dos Princípios"
Gostaria de explicar aqui a ordem que, parece-me, devemos seguir para que nos instruamos. Primeiramente, o homem que ainda só possui conhecimento vulgar e imperfeito, deve, antes de tudo, encarregar-se de formar uma moral que seja suficiente para ordenar as ações da vida, porque isso não deve ser adiado e porque devemos sobretudo procurar viver bem. Após isso, também deve estudar lógica, não a da Escola - pois ela nada mais é do que uma dialética que ensina os meios para fazer entender a outrem as coisas que já se sabe ou então de emitir opiniões, sem julgamento, sobre as que não se sabe; desse modo, ela antes corrompe o bom-senso do que o desenvolve - mas aquela que ensina a bem conduzir a razão na descoberta de verdades que se ignora. E porque ela depende muito do uso, é bom que ele se exercite, por muito tempo, na prática de regras penitentes a questões fáceis e simples como as da matemática. Depois, quando já tiver adquirido o hábito de encontrar a verdade nessas questões, ele deve começar a aplicar-se à verdadeira filosofia cuja primeira parte é a metafísica, que contém os princípios do conhecimento, entre as quais está a explicação dos principais atributos de Deus, da imaterialidade de nossas almas e de todas as noções claras e simples que estão em nós. A segunda é a física, na qual, após ter encontrado os verdadeiros princípios das coisas materiais, examinamos em geral como o universo é composto; depois, em particular, qual a natureza da terra e de todos os corpos que se encontram mais comumente em torno dela como o ar, a água, o fogo, o ímã e outros minerais. Após o que também é necessário examinar em particular a natureza das plantas, dos animais e, sobretudo, do homem, a fim de que se seja capaz de, depois, encontrar as outras ciências que lhe são úteis. Desse modo, a filosofia é como uma árvore cujas raízes são a metafísica, o tronco a física e os ramos que daí saem todas as outras ciências, que se reduzem a três principais, a saber: a medicina, a mecânica e a moral; eu acho que a mais elevada e mais perfeita moral, que pressupõe inteiro conhecimento das outras ciências, é o último grau da sabedoria.

Ora, assim como não é das raízes nem do tronco que colhemos os frutos, mas da extremidade dos ramos, assim a principal utilidade da filosofia depende das utilidades de suas partes, as quais só podemos aprender por último. Mas, embora eu as ignore quase todas, o zelo que sempre tive no sentido de prestar algum serviço ao público levou-me a publicar, há uns dez ou doze anos, alguns ensaios sobre as coisas que me parecera ter aprendido.
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FONTES: (CHALITA. Vivendo a Filosofia, 2004, p.233; http://www.mundodosfilosofos.com.br/descartes2.htm)

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