O ALÉM-DO-HOMEM: JOVENS PARA SEMPRE
[*]Pablo de Araújo Batista
Se a
superação do homem já era proposta por Nietzsche, por que a humanidade não pode
usufruir das tecnologias para proporcionar conforto e uma vida mais longa? Mas pode
a tecnologia oferecer alívio à angústia e respostas à busca do sentido da vida?
Certa vez,
o futurólogo Ray Kurzweil disse: "A principal questão política e filosófica
do século XXI será a definição de quem somos".
Embora
essa questão ainda não tenha a relevância necessária (a não ser em casos relacionados
ao aborto), nesse início de século, a Biotecnologia tem nos levado a considerar
a importância desse questionamento. À medida que a manipulação do código genético
humano se torna realidade, em breve poderemos aprimorar nossa constituição
física, intelectual e emocional, proporcionando a nós e à próxima geração a possibilidade
de prolongarmos nossa existência e de transformarmos radicalmente o que concebemos
como "humanidade".
Mas será que
estamos prontos para alçar esse voo? Estamos prontos para deixar para trás o homem
como o conhecemos, ou seja, debilitado e limitado, permitindo o surgimento de um
novo homem, aprimorado e com suas capacidades naturais ampliadas?
O aprimoramento
a partir da Engenharia Genética e da utilização de células-tronco embrionárias desponta
no horizonte como um campo altamente promissor. Mas como aparentemente é impossível
tocar nesse assunto sem evocar os "demônios" do nazismo e as pretensões
de Hitler em criar uma raça superior, além de reviver as ideias de Eugenia de
Francis Galton, convém limpar o caminho que nos leva a um futuro promissor dos entulhos
depositados pelo pensamento dogmático. Somente dessa maneira poderemos analisar
com clareza a possibilidade de aperfeiçoamento da espécie humana por meio das novas
técnicas de manipulação genética, e os prováveis desdobramentos éticos desse tipo
de intervenção.
POR QUE
APRIMORAR?
O
profeta Zaratustra, criação de Friedrich Nietzsche, prenunciou o surgimento de
um novo tipo de homem ao dizer: "Eu lhes ensino o super-homem. O homem é
algo que deve ser superado. Que fizestes para o superar? Todos os seres até agora
criaram algo além de si mesmos, e vós quereis ser o refluxo deste grande fluxo,
preferis retomar aos animais em vez de superar o homem?"( NIETZSCHE, Assim/alou
Zaratustra) Obviamente, ao proferir essas palavras, Nietzsche não estava pensando
em uma transformação tecnológica, mas em um refinamento cultural ou crescimento
pessoal de poucos indivíduos excepcionais que seriam capazes de dominar sua própria
natureza e abandonar a "moral dos escravos" advogada pelo Cristianismo.
Embora estivesse
no caminho certo, a concepção de Nietzsche sobre o surgimento de um "novo homem"
é diferente da concepção abordada pelo pensamento transhumanista. O transhumanista
está preocupado com as alterações em nosso conceito de humano a partir da utilização
crescente de tecnologias de aprimoramento. Essas novas tecnologias nos possibilitam
alguns questionamentos importantes, tais como: somos bons o suficiente? Estamos
realmente no ápice do desenvolvimento evolutivo? Será que não podemos encontrar
novas formas de vivência?
Podemos
afirmar com certo grau de orgulho que estamos muito bem adaptados ao nosso meio,
pois evidentemente o moldamos à nossa imagem. No entanto, isso nos leva à lamentável
constatação de que, sem pressão evolutiva para impor uma seleção natural, ficaremos
estagnados e sem grandes aprimoramentos, limitando nosso potencial humano. Além
dessa constatação, outros fatores podem nos impelir ao aprimoramento. Por exemplo,
existem alguns causadores de sofrimento com os quais a humanidade tem um longo histórico
de experiência, mas, devido à sua gravidade, nunca recebeu a devida atenção.
São eventos considerados "naturais" ou
"a vontade de Deus", tais como o envelhecimento, graves doenças como o mal de Alzheimer e limitadores de existência como a morte.
"a vontade de Deus", tais como o envelhecimento, graves doenças como o mal de Alzheimer e limitadores de existência como a morte.
Nossa espécie
acostumou-se a considerar essas limitações como normais, já que parece impossível
deter o envelhecimento, acabar com algumas doenças e, em último caso, evitar a
morte. Mas, na medida em que progredimos em direção a uma sociedade do conhecimento
e da tecnologia, muitos desses problemas serão gradualmente amenizados e, por
fim, eliminados. A possibilidade de diminuir em alto grau o sofrimento no mundo
causado pelas inúmeras formas de enfermidades e pelos danos causados pelo envelhecimento,
já é, em si, um bom argumento moral a favor do aprimoramento.
IMPLICAÇÕES
DA IMORTALIDADE
Alterar
mesmo que remotamente algum desses paradigmas teria um imenso impacto na sociedade
como a conhecemos. Imagine por um momento o impacto político, econômico e social
se conseguíssemos ampliar em 20, 30 ou 50 anos a expectativa média da vida de uma
pessoa comum. Qual seria o impacto econômico na previdência social de um país como
o Japão, onde as mulheres têm uma expectativa de vida em torno dos 83,6 anos,
se elas pudessem viver em média até os 133 anos? Em uma sociedade voltada para
o trabalho e a produção em massa, pessoas que vivessem até 100, 120 ou 150 anos
sem produzir nada provavelmente se tornariam um peso para o Estado (pois viver
mais somente valerá a pena se além do corpo as propriedades cognitivas também
forem sustentadas e as pessoas continuarem a trabalhar em seus projetos. Para
isso seriam necessários o desenvolvimento e a aplicação de drogas de aprimoramento
mental, bem como de implantes cerebrais que sustentem e lapidem nossas
capacidades cognitivas. Essa é uma área já em andamento, mas isso é assunto
para outro artigo).
Uma
das perspectivas atraentes no desenvolvimento seguro da Engenharia Genética é a
possibilidade de prolongarmos nossa juventude e nosso tempo de existência. Graças
a alguns fatores, boa alimentação, novas normas de higiene, saneamento básico,
desenvolvimento de vacinas e grandes avanço na área médica e tecnológica, o atual
momento histórico é comprovadamente o período em que mais tempo podemos viver.
Por volta
de 1760, no início da Revolução Industrial, a expectativa de vida na América do
Norte e na Europa Setentrional era de meros 37 anos, enquanto hoje, nos
melhores lugares do mundo para se viver, as pessoas têm expectativa de vida de
mais de 80 anos. Em alguns lugares privilegiados, como a Sardenha, uma ilha situada
a aproximadamente 200 km da costa da Itália, ou em Okinawa, uma ilha do Japão, as
pessoas vivem em média 12 anos a mais do que as pessoas de outras localidades
do mundo, chegando tranquilamente e com vigor invejável aos 100 anos de idade ('Tedtalks:
Zonas azuis. http://www.ted.com/talks/lang/por_br/dan_buettller_ how _to_live_to_be_100.htm/).
Evidentemente,
se pudermos estender nossa existência por mais tempo com a manutenção da
qualidade de vida, poderemos desenvolver e concluir projetos que muitas vezes
os poucos 70 ou 80 anos não nos permitem. É frustrante pensar que
até mesmo tartarugas podem fazer melhor do que nós, já que muitas vivem tranquilamente por mais de 100 anos. O filósofo Nick Bostrom parece concordar com isso ao dizer: "Para jardineiros, educadores, acadêmicos, artistas, urbanistas, e aqueles que simplesmente apreciam observar e participar da variedade cultural ou política no show da vida, 70 anos é muitas vezes insuficiente para ver até mesmo um projeto completo em sua conclusão, que dirá para tarefas e muitos projetos em sequência (O ensaio Transhumanism values de Nick Bostrom já possui tradução para o português feita pelo autor desse artigo, e em breve estará disponível em: www.ierfh.org.br.).
até mesmo tartarugas podem fazer melhor do que nós, já que muitas vivem tranquilamente por mais de 100 anos. O filósofo Nick Bostrom parece concordar com isso ao dizer: "Para jardineiros, educadores, acadêmicos, artistas, urbanistas, e aqueles que simplesmente apreciam observar e participar da variedade cultural ou política no show da vida, 70 anos é muitas vezes insuficiente para ver até mesmo um projeto completo em sua conclusão, que dirá para tarefas e muitos projetos em sequência (O ensaio Transhumanism values de Nick Bostrom já possui tradução para o português feita pelo autor desse artigo, e em breve estará disponível em: www.ierfh.org.br.).
No
entanto, mesmo que com o passar do tempo possamos prolongar a expectativa de vida
para pouco mais de 100 anos, parece implausível que cheguemos a viver 200, 500
ou até mesmo 1.000 anos, pois nossa estrutura física não suportaria o desgaste
do tempo. A passagem do tempo é cruel para todos os objetos estacionários, e
mesmo para os que se movem através do espaço. Mas isso não é o que pensa o
geneticista britânico Aubrey de Grey, da Universidade de Cambridge. De Grey trabalha
no que ele denomina de "Estratégia para Reparar Envelhecimento Insignificante"
(Sens), que tem como objetivo reparar tecidos orgânicos danificados para rejuvenescer
o corpo e permitir às pessoas uma vida útil indefinida. Segundo ele, a injeção
constante de células-tronco em nosso corpo poderá compensar o desgaste sofrido por
células deterioradas fazendo-nos viver mais de 100 anos('http://en. wikipedia. or
g/wikit Str a tegies-for_Engineered_Negligible_Senescence).
Essas novas
células implantadas são pluripotentes e podem se transformar em qualquer tipo
de tecido do corpo humano como ossos, nervos, músculos e sangue, e substituir
as células mortas ou danificadas pelo processo natural de divisão celular. Esse
processo resultará em órgãos jovens para sempre.
ADMIRÁVEL MUNDO
NOVO
O
nascimento de Louise Brown - o primeiro ser humano a nascer de um embrião fertilizado
fora de um corpo humano - da ovelha Dolly e o desenvolvimento posterior na Engenharia
Genética por meio das pesquisas com células-tronco embrionárias iniciaram um período
de grande produtividade e progresso nas pesquisas biológicas. Esses avanços proporcionam
esperança às pessoas que padecem com doenças neurodegenerativas como o mal de Parkinson,
o mal de Alzheimer, a coreia de Huntington e a leucemia. Além disso, as novas técnicas
podem facilitar a criação de tratamento para doenças crônicas, diabetes, câncer,
doenças ósseas e anomalias sanguíneas.
Mas, ombro
a ombro com os incalculáveis benefícios resultantes das terapias genéticas, andam
as objeções éticas e religiosas às pesquisas com células-tronco. A manipulação genética,
a clonagem terapêutica ou para fins de reprodução abrem as portas para inúmeras
expectativas quanto ao futuro da humanidade, mas também acirram os debates éticos
sobre a legitimidade de sua aplicação. Das origens possíveis de células-tronco embrionárias
que podem ser utilizadas para a pesquisa científica, todas parecem suscitar questões
éticas.
O
sábio rei Salomão escreveu: "Vê o trabalho do verdadeiro Deus, pois quem pode
endireitar o que ele entortou?" (Eclesiastes Cap.7, Vers. 13). Para a maioria
das pessoas, apenas Deus, a natureza ou o acaso pode interferir em nossa constituição
biológica. Muitos temem o surgimento de um mercado de órgãos humanos e que embriões
sejam criados apenas para pesquisa e depois sejam descartados como um produto sem
utilidade. Os bioconservadores sustentam a antiga noção de que o momento da concepção
é sagrado, pois todas as formas de vida fazem parte de um projeto divino. Segundo
essa noção, toda forma de utilização de embriões ou fetos em pesquisas científicas
é uma afronta à dignidade humana.
Muitos pensadores
identificam outro problema com a manipulação genética, pois, segundo eles, a clonagem
terapêutica levará à clonagem reprodutiva, e se já somos
capazes de clonar uma ovelha e outros mamíferos, o que nos impedirá de em breve criar um clone humano? Temendo que o Admirável mundo novo de Aldous Huxley
se torne realidade por meio dos bebês de prancheta, será que corremos o risco de criar um mundo com um novo sistema de castas indianas, onde as pessoas são separadas em classes hierárquicas compostas por Alfas, Betas e Gamas? Se criarmos essa nova forma de discriminação, as pessoas poderão ser selecionadas por suas aptidões ou vantagens genéticas, deixando os concebidos "artificialmente" no topo da sociedade e os concebidos "naturalmente" na parte inferior da civilização.
capazes de clonar uma ovelha e outros mamíferos, o que nos impedirá de em breve criar um clone humano? Temendo que o Admirável mundo novo de Aldous Huxley
se torne realidade por meio dos bebês de prancheta, será que corremos o risco de criar um mundo com um novo sistema de castas indianas, onde as pessoas são separadas em classes hierárquicas compostas por Alfas, Betas e Gamas? Se criarmos essa nova forma de discriminação, as pessoas poderão ser selecionadas por suas aptidões ou vantagens genéticas, deixando os concebidos "artificialmente" no topo da sociedade e os concebidos "naturalmente" na parte inferior da civilização.
O QUE NOS
FAZ HUMANOS
OS
fetos e embriões têm direitos ou interesses que podem ser violados ou prejudicados
por meio de sua instrumentalização?
Com a finalidade de aumentar o conhecimento científico e a criação de terapias que podem beneficiar milhares de pessoas que sofrem diariamente, podemos dispor de fetos e embriões para pesquisa? Os debates contemporâneos acerca das questões da legitimidade das pesquisas genéticas giram em torno de sabermos ou não se um feto ou um embrião podem ser considerados
humanos, e se possuem o mesmo direito à dignidade moral que possui uma pessoa totalmente formada e membro ativo da sociedade em que vivemos.
Com a finalidade de aumentar o conhecimento científico e a criação de terapias que podem beneficiar milhares de pessoas que sofrem diariamente, podemos dispor de fetos e embriões para pesquisa? Os debates contemporâneos acerca das questões da legitimidade das pesquisas genéticas giram em torno de sabermos ou não se um feto ou um embrião podem ser considerados
humanos, e se possuem o mesmo direito à dignidade moral que possui uma pessoa totalmente formada e membro ativo da sociedade em que vivemos.
A maior parte
dos argumentos contra a utilização do embrião ou de um feto em pesquisas genéticas
parte da premissa de que é errado matar um ser humano inocente. Se considerarmos
que um feto ou um embrião é um ser humano inocente, vamos concluir que é errado
matá-los, e por isso utilizar uma vida humana mesmo em seus estágios iniciais para
fins de pesquisas e depois descartá-la será considerado um crime.
Argumentos
baseados nessa premissa partem da aceitação quase unânime de que qualquer vida humana
é sagrada, pois faz parte de um planejamento divino. O dogma da santidade da
vida humana é o que parece estar em jogo nos debates sobre a utilização do embrião
para fins de experimentação. Esse antigo dogma parece ser um princípio absoluto,
pois se cada vida humana é igualmente sagrada e inviolável, não é possível atribuir
um valor a ela, pois perdê-la é o mesmo que perder tudo. Mas existem complicações
com a proficuidade universal desse princípio conforme destaca o filósofo Daniel
Dennett: "O que fazemos quando mais de uma vida humana está em jogo? Se cada
vida é infinitamente valiosa, e nenhuma é mais valiosa do que outra, como vamos
distribuir os poucos rins transplantáveis que estão disponíveis, por exemplo? A
tecnologia moderna apenas exacerba as questões, que são obsoletas. Salomão enfrentou
escolhas difíceis com sabedoria notável, e cada mãe que alguma vez teve alimento
insuficiente para seus próprios filhos (sem falar nos filhos da vizinha) foi
obrigada a se debater com a impraticabilidade de aplicar o princípio da Santidade
da Vida Humana" (DENNETT, 2006, p. 311, 312).
Muitos críticos,
fazendo um paralelo com as questões relacionadas ao aborto, pretendem impedir o
desenvolvimento das pesquisas genéticas apelando para a proteção do óvulo
fertilizado como se ele fosse um indivíduo. Os problemas com esses argumentos é
determinar exatamente quando a vida humana começa, e se um embrião - ou em um estágio
mais avançado, um feto - tem o mesmo status moral que possui um ser humano já crescido.
Qual é a linha divisória entre vida e não vida? Se existe uma linha limitadora,
como identificá-la? Determinar um limite preciso e relevante sobre o início da vida
entre a fecundação e o nascimento é uma tarefa difícil, por isso, estabelecer leis
razoáveis que deem a um embrião o mesmo status que possui uma pessoa não denota
uma expressão racionalmente aceitável nem para bioconservadores nem para transhumanistas.
Mas o que
entendemos quando utilizamos expressões como "vida humana" ou "ser
humano"? Muitos filósofos e juristas concordam que o termo "humano"
pode ser compreendido a partir de duas noções: (1) ser membro da espécie Homo
sapiens e (2) ser uma pessoa.
No caso 1,
pertencer ou não a uma espécie é algo que pode ser determinado por um exame minucioso
da estrutura celular do indivíduo, e nesse caso podemos afirmar com absoluta certeza
que um embrião desde os primórdios de sua existência pode ser identificado como
um ser humano. Para o caso 2, será conveniente utilizar algumas características
que os filósofos chamam de "indicadores de humanidade" ou ao que John
Locke definiu como qualidades determinantes para definir um indivíduo como uma pessoa,
ou seja, "um ser pensante e inteligente dotado de razão e reflexão, que pode
ver-se como tal, a mesma coisa pensante, em tempos e lugares diferentes", essas
características são: consciência de si, autocontrole, percepção de futuro e passado,
capacidade de relacionar-se e preocupar-se com outros seres, comunicação e curiosidade.
A partir dessas
duas definições, podemos afirmar que o embrião, o feto ou mesmo um bebê recém-nascido
são membros da espécie Homo sapiens, mas não podemos afirmar da mesma forma que
possam ser considerados como "pessoas", pois nenhum deles é autoconsciente,
possui senso de futuro ou pode se relacionar completamente com outros membros da
espécie.
ABORTO
Parece inevitável
que, ao tocar no assunto do aprimoramento genético por meio da utilização de
células-tronco embrionárias, toquemos também nos problemas relacionados ao aborto.
O argumento central contra o aborto e consequentemente contra a utilização do embrião
ou do feto para fins de pesquisas genéticas é o seguinte:
premissa 1
- É errado matar um ser humano inocente;
premissa 2
- Um feto é um ser humano inocente.
Logo, é errado
matar um feto humano.
Aceitar
a premissa 1 é possível somente se aceitarmos o status sagrado da vida humana, considerando
errado matar um ser pelo simples fato de ele ser membro de nossa espécie. Mas já
vimos a dificuldade em sustentar essa concepção que herdamos das antigas doutrinas
religiosas que muitas vezes abrem mão do pensamento racional. Se tomarmos "humanos"
apenas como "membro da espécie Homo sapiens", não poderemos sustentar
nossa defesa em conservar a vida do embrião ou do feto, pois ser da espécie Homo
sapiens é uma característica que. carece de significação moral. Por sua vez, a
definição de "humano" é subdividida em duas noções que demonstram a fragilidade
da premissa 2, já que um embrião ou um feto fazem parte da espécie Homo sapiens
mas não fazem parte do conjunto que classificamos como pessoas.
Reconhecer
isso é fundamental para nossa preocupação com as questões relacionadas à pesquisa
genética. O feto deve ser avaliado a partir de suas características reais sem a
imputação de uma santidade, e isso o faz estar em pé de
igualdade com outros seres com características semelhantes, mas que não são membros de nossa espécie. Se não podemos dizer que um feto é uma pessoa, não podemos atribuir a um feto o mesmo valor ou direito atribuído a uma pessoa. Seria necessário refletir sobre o momento em que um feto possa ser capaz de sentir dor, pois, enquanto essa capacidade não existir, um aborto põe fim a uma existência que não tem valor intrínseco algum.
igualdade com outros seres com características semelhantes, mas que não são membros de nossa espécie. Se não podemos dizer que um feto é uma pessoa, não podemos atribuir a um feto o mesmo valor ou direito atribuído a uma pessoa. Seria necessário refletir sobre o momento em que um feto possa ser capaz de sentir dor, pois, enquanto essa capacidade não existir, um aborto põe fim a uma existência que não tem valor intrínseco algum.
A avaliação
do embrião também é semelhante, pois seria um contrassenso pensarmos no embrião
como um indivíduo quando ele é ainda um aglomerado de célula. A constituição do
indivíduo não se dá no momento da fecundação, mas somente ocorre no meio da sociedade
e nas relações sociais estabelecidas com o outro, e é a partir das relações interpessoais
com outras pessoas que a subjetividade pode ser constituída. Um embrião ou um feto
não pode ser considerado um indivíduo ou uma pessoa, pois ainda não estabeleceu
com membros de sua comunidade linguística uma simbiose de relacionamento.
Somente ao tornar-se membro de uma comunidade, por entrar na rede simbólica de
relações de reconhecimento recíproco entre pessoas que se comunicam, o recém-nascido
é identificado como "um" ou como "um de nós", tornando-se
moralmente inconfundível.
Proibir as
pesquisas genéticas apelando à dignidade moral ou à proteção ao direito à vida
que um embrião ou um feto devem ter é um equívoco categórico e pode levar a consequências
trágicas. Seria mais ético deixar uma criança ou um adulto sofrer sem um
tratamento que é desenvolvido a partir dessas técnicas do que utilizar um embrião
que ainda não se tornou um humano para fins de pesquisas?
Já houve
época em que a anestesia durante o parto, transplante de coração e FIV eram
considerados repugnantes. Reações emocionais ao desenvolvimento científico e
tecnológico não possuem um bom alicerce argumentativo. As técnicas de
fertilização in vitro possibilitaram o nascimento de filhos a casais inférteis,
e o avanço nessa área também possibilitou o desenvolvimento de técnicas de
diagnósticos genéticos na fase de pré-implantação, possibilitando o nascimento
de bebês mais saudáveis.
Se pudermos
proporcionar aos nossos filhos e descendentes uma vida melhor e duradoura,
evitando o sofrimento, o envelhecimento ou o padecimento por uma doença crônica,
adiando a morte prematura, então devemos considerar eticamente aceitável fazer
isso.
SEGURANÇA
PARA A EVOLUÇAO
Entre
todos os argumentos atuais contra a manipulação genética e a clonagem, o único
que se pode apoiar racionalmente é a preocupação com a segurança do procedimento,
ou seja, se a tecnologia disponível é suficiente para que o processo seja bem-sucedido.
Restam poucas dúvidas de que em breve poderemos aprimorar nossa constituição
biológica nos tornando mais saudáveis e mais inteligentes, além de desenvolvermos
novas capacidades e ampliarmos cada vez mais o tempo de duração de nossa existência.
Nesse tempo, viveremos em uma sociedade na qual conviveremos
diariamente com humanos aprimorados e clonados - eles serão gerentes de bancos, empresários, cientistas e pilotos.
diariamente com humanos aprimorados e clonados - eles serão gerentes de bancos, empresários, cientistas e pilotos.
Esse desenvolvimento,
juntamente com outros, abrirá oportunidades sem precedentes para o crescimento
e a prosperidade da humanidade. Um dia provavelmente vamos descobrir maneiras de
deter e reverter o envelhecimento, estender nossa capacidade intelectual,
física, emocional e espiritual para além dos níveis que são possíveis hoje.
Será o fim da infância do homem e o início de uma nova era. Nossos descendentes,
ou até nós mesmos, olharemos para nossa época da mesma maneira que olhamos para
nossos ancestrais antes do desenvolvimento da linguagem.
Podemos
participar ativamente na criação desse futuro que nos permitirá checar a níveis
inimagináveis de florescimento humano e de bem-estar por meio da utilização de tecnologia
avançada para combater doenças, o dano causados pelo envelhecimento e também
para aumentar no as capacidades naturais. Não podemos rejeitar as oportunidades
de crescimento simplesmente porque isso mudaria de alguma forma a maneira como concebemos
atualmente a natureza humana.
CÉLULAS-TRONCO
E SUAS CONSEQUÊNCIAS ÉTICAS
1 – Doação
de tecido fetal: as células-tronco embrionárias são retiradas de fetos mortos;
Problemas
éticos: utilizar células retiradas de tecidos de fetos mortos levanta a questão
da cumplicidade com o aborto.
2 – Células
derivadas de blastocisto: quanto as células-tronco são isoladas na fase de
blastocisto do desenvolvimento embrionário criados por fertilização in vitro;
Problemas
éticos: esse processo implica na destruição do embrião, e criar embriões apenas
para pesquisa pode ser contestado deontologicamente, pois utiliza o embrião
apenas como meio para atingir um fim.
3 – Transferência
nuclear de células somáticas: quando a tecnologia de clonagem é utilizada para
criar células embrionárias.
Problemas
éticos: utilizar a técnica de clonagem para criar células embrionárias
destinadas à investigação também gera preocupação de natureza ética e social,
devido à possibilidade de um dia clonarmos completamente uma pessoa.
O PARADOXO
DA IMORTALIDADE
Humanos criados em laboratórios com
fenótipos cuidadosamente e detalhadamente escolhidos para cumprir funções
necessárias na sociedade. Com as tecnologias que se desenvolvem na atualidade,
a obra do escritor inglês Aldous Huxley Admirável
mundo novo não nos parece mais uma realidade tão absurda ou distante.
Muitas benesses trazidas por este
postulado são animadoras e nos livram de sofrimentos. Por outro lado, ações
como a do futurólogo Ray Kurzweill, que declarou tomar 230 tipos de comprimidos
com o objetivo de ser a própria cobaia em experimento que busca chegar próximo
à imortalidade, poder ser um pouco assustadoras. A morte sempre foi um mistério
para a humanidade e experimentos como esses nos fazem refletir sobre a possibilidade
de suportar uma vida tão longa, ou, até mesmo de pensar se essa vida teria
alguma qualidade. As células-tronco permitirão que nosso corpo aguente anos e
anos, mas o que será de nossa mente? Se muitos ainda buscam o sentido para uma
vida, não seria apenas o aumento de um sofrimento em um mundo com tantas mazelas,
cada vez mais competitivo, com recursos escassos e economicamente inviável?
Além disso, quem sabe como essa tecnologia será utilizada? Ela não poderá funcionar
como mecanismo de dominação, como no caso de Huxley?
BIBLIOGRAFIA
BOSTROM, N.
Human Reproductive Cloning from the Perspective
of the Future. Disponível em: http://www.nickbostrom.com/views/cloning.html
HABERMAS, J.
O Futuro da Natureza Humana. A caminho
de uma eugenia liberal? São Paulo: SP: Martins Fontes, 2004.
HUXLEY, A.
Brave New World. New York: Harper, 1946. (Admirável Mundo Novo. 2 Ed. São Paulo:
Globo, 2001.)
KURZWEIL, R.
A Era das Máquinas Espirituais. São Paulo: SP: Alephe, 2007.
SINGER, P.
Ética Prática. São Paulo: SP: Martins Fontes, 2002.
______________
FONTE: (BATISTA, Pablo de Araújo. O além-do-homem: jovens para sempre. In: Revista Filosofia: ciência & vida, Ano VII, nº 74, setembro 2012, p.61)
[*]
Pablo de Araújo Batista é escritos e bacharel e filosofia.
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