Você certamente já tenha se perguntado
sobre a sua origem, de onde você veio, como chegou até aqui e para onde você –
está correto? Pois bem, talvez nunca se consiga dizer correta e concretamente
uma resposta a essas perguntas, porém, pode-se arranjar pistas que apontem para
umas saídas que amenizem esses questionamentos.
Antes, porém, será preciso lembrar que
o mundo ocidental ou é devedor dos chineses (metade das coisas que se utiliza
aqui foi feita na China) ou dos gregos (as palavras, gostos e pensamentos
tiveram a origem lá na remota Grécia). A propósito, para ajudar nas questões
existenciais acima, os gregos podem ajudar e muito, porque também eles se
indispuseram e se sentiram incomodados em não chegar a uma resposta racional e
redondinha para elas. No entanto, como expressão do mais alto grau de
inteligência e uso da capacidade de o homem alcançar meios para satisfazer suas
necessidades, eles criaram um sistema de pensamento que dava conta da maior
parte de seus porquês e senões. Este sistema de pensamento ficou conhecido com
mitologia grega.
Os gregos,
religiosos por natureza, quando se deparavam com algum problema que não
conseguiam resolver, voltavam-se aos deuses pedindo iluminação, pois
acreditavam piamente na intervenção divina. E, para as questões existências (de
onde vim, para onde vou...), localizaram numa tríade divina composta por
mulheres as respostas satisfatórias para as suas inquietações. Essas mulheres
ficaram conhecidas por Moiras.
As Moiras, deusas
supremas que a todos submetem e a ninguém eram submetidas, eram responsáveis
pela vida, existência e morte de todos os seres, que dependiam de algum
elemento para se manter vivo, sejam eles deuses, semi-deuses, heróis ou
humanos.
De comum aceitação
entre os gregos, havia um lagar onde tudo era bom, era belo e de nada carecia.
Neste lugar, conhecido como Poço das Almas, a pré-existência era garantida com
todas as delícias, sortes e dons que qualquer alma possa desfrutar enquanto
gozava da companhia de deuses e de outros seres dos Campos Elíseos. Lá, as
almas viviam em tranquilidade, paz e harmonia sem que nada as aborrecesse e de
todo o conhecimento participavam.
Acontece que, de
quando em quando, um ser divino passa pelo Poço e toma para si uma das almas e
a coopta para pertencer ao seu reino. As Nereidas, ao tomarem para si uma alma,
cooptam-na para povoarem e alegrarem as águas, desde as profundezas dos oceanos
quanto as sutilezas dos ares. Imagine a diversidade de espécies e o trabalho
dessas criaturas divinas ao separarem cada ser em um grupo de tal
especialidade, de modo que dividam o mesmo espaço, com multicor esplendor e
sequer atrapalhem umas as outras. Desde as minúsculas criaturas como o plâncton
até a maciça baleia azul; desde as ínfimas partículas do átomo até as mais
furiosas tempestades – tudo obra divina.
Se, no entanto, as Ninfas, ao passarem,
recolherem uma alma, colocam-na em um novo ser pertencente ao Reino das Plantas
e Vegetais ou dos Animais, e esta alma
passará a existência desfrutando das delícias de se bastar a si, como fazem as
criaturas do primeiro reino, e ainda agregará a qualidade de poder sentir o que
lhe rodeia. As Ninfas, com zelo e cuidado, desenham cada ramificação e cada
cadeia de molécula de cada animalzinho; cada peninha e cada asinha das aves.
Basta que essa alminha siga uma das Ninfas e ela será programada biologicamente
para viver, reproduzir, perecer e voltar ao Poço.
A você, leitor, outra deusa foi
responsável por resgatar a sua alma. Foi Átropos. A propósito, o fato de você
se enquadrar como ser humano é uma dádiva de Átropos, porque dela deriva o ser
humano, que do grego é ‘antropos’. É daqui que vem, para a Língua Portuguesa o
termo ‘antropologia’: o estudo do ser humano.
Átropos é a responsável por pegar a
alma do Poço e a ela atrela um cordão: o cordão da vida. Segundo os ditames
dessa deusa, nenhum ‘antropos’ pode vir à luz sem que esse cordão seja tecido
de tal maneira e cuidado, que é ali, naquele pequeno fio que a deusa já coloca
inspirações, sexo, família, formato e características do novo ser. Mesmo que
diante de toda bondade da deusa, as decisões dela são inflexíveis e
irrevogáveis, isto é, para sempre. O ‘antropos’ pode apenas alterar, modificar,
aumentar, diminuir, descolorir, mas deixar de ser, jamais. Átropos deixa a sua
marca indelével em cada um daqueles que ela elege.
Acontece que Átropos não trabalha
sozinha. Aliás, é um princípio grego de que nada do que existe e vive pode
subsistir solitariamente. E após as dádivas de Átropos, sua irmã Clotos se
encarrega da obra iniciada. Ela pegará o fio da vida e procederá com a extensão
do fio, como se fosse uma linha do tempo.
É curioso também que uma das traduções
de ‘Clotos’ é extensora, ou seja, a ela cabe estender o fio da vida iniciada
por Átropos e definirá quais ocorrências e em quais tempos elas acontecerão na
vida do ‘antropos’. Assim, não depende do homem querer controlar o que pode e o
que não pode ocorrer em sua vida. Seria insano dizer que alguém pudesse querer
que feridas, dores, perdas ocorressem em sua vida a determinado tempo. De outro
lado, também não é de alçada do ‘antropos’ decidir o momento ou o tempo em que
encontrará a sua alma gêmea – isso é obra de Clotos.
Clotos é tão cuidadosa que ela não
designa nada a um ‘antropos’ que não lhe seja possível suportar. Aquilo que
pode parecer insuportável, ela mesma garante que estará ao lado para sustentar
e suportar o ‘antropos’ em tempos de penúria. De todas as maravilhas previstas
por ela, ela também não aceita devolução ou não cumprimento do que cabe a cada
um – ossos do ofício.
Uma vez que já foi falado do início da
vida e do modo de viver, resta saber como ocorre o ocaso da vida. Esta função caberia
a Láquesis, a última das deusas irmãs. Quando se diz que somente aos deuses
caberia a hora da morte, então, o mais correto, é dizer que cabe à deusa essa
decisão.
Láquesis é imparcial e não há nada no
‘antropos’ que a condicione em suas ações. Não importa se bom ou mal, se
cumpriu ou não o que estava programado por Clotos. A hora última é de sua
competência, e ela usará de todo e qualquer expediente para levar a cabo a sua
intenção. É ela quem decide se um ínfimo engasgo pode ser fatal ou se a
explosão das veias do corpo não passará apenas de uma complicação.
Assim, não é o ‘antropos’ que decide a
hora ou como quer morrer, porque isso é dos domínios de Láquesis e dela,
ninguém o suprime. Somente a ela cabe saber a hora de último suspiro, que não
se adianta nem se atrasa. É ali, no ponto certo!
Do nome grego ‘Láquesis’, na Língua
Portuguesa se tem ‘laqueadura’, que é justamente a interrupção do ciclo da
vida.
Apesar de o termo ‘Destino’ soar mal
aos ouvidos mais pudicos e incrédulos, há de se pensar algumas implicações que,
tomando-o como certo e existente, alguns confortos enchem o espírito do
‘antropos’, a saber:
1º que todas as almas preexistem em um lugar bom e ao lado da
divindade;
2º que mesmo antes de vir ao mundo, todo ‘antropos’ foi
resgatado e querido pela divindade;
3º que mesmo sem nenhuma interrupção do mundo, a divindade
escolheu família, sexo e deu uma missão a cada um, a saber: a felicidade;
4º que todas as ações do ‘antropos’ já são conhecidas pela
divindade, as direitas e as tortas, e mesmo assim, a divindade quer para si
toda e qualquer alma que dela saiu;
5º que nada que acontece com o ‘antropos’ é desconhecido da
divindade;
6º que o final de cada um, inclusive a hora, é um desígnio da
divindade e de ninguém mais;
7º aqueles que saíram da divindade tendem a voltar para a
divindade.
E por esses sete motivos, não há como não ponderar com maior
acuro o que os gregos pensaram.
E você já pensou no seu destino?
Fbandeira
jun/2014