quinta-feira, 11 de agosto de 2011

RACISMO - Miliana PassareLli Ubiali

1. Conceitos básicos para a temática racial

Iniciar uma conversa sobre a temática racial não é uma tarefa fácil em nenhum país. No caso do Brasil a questão é ainda mais árdua, se considerarmos a influência de ideologias formadoras do pensamento social, que apresentaram este país como "cordial" e harmônico em relação a todo tipo de diferença (com destaque para as diferenças raciais e religiosas). Mas será que o Brasil é realmente "cordial" e trata seus cidadãos igualmente, sem distinção de raça, cor, credo, opção sexual etc? Esse curso se propõe tratar da questão racial na sociedade brasileira, mas antes de trabalhar algumas perspectivas sobre essa temática é preciso conhecer conceitos comumente utilizados e nem sempre de forma precisa.
Raça, por exemplo, é um termo cen tral para o nosso trabalho e deve ser utilizado com muito cuidado. Podemos observar três momentos nos quais a categoria raça foi utilizada e posteriormente re-definida. Primeiramente, no inicio do século XVI, o conceito de raça era usado para identificar um grupo, ou uma categoria de pessoas conectadas por uma origem comum (Banton, 1994:264). O segundo momento surge no século XIX, quando raça aparecia com uma conotação biológica, ou seja, os grupos humanos passaram a ser diferenciados e interpretados por suas características físicas e mentais. As características físicas, com destaque para cor, explicariam, nesse momento, baseadas na ciência da época, as características morais, culturais e intelectuais dos grupos sociais. Não se pode esquecer, aqui, do contexto desse período: estávamos em pleno processo de colonização ocidental, no qual a utilização de teorias como estas, que apresentavam as características fenotípicas como justificativas para uma hierarquização de grupos em todos os aspectos, legitimaram a dominação colonial.
Após a Segunda Guerra Mundial o termo raça com essa conotação biologizada passa a ser questionado. Resultado tanto da repulsa dos acontecimentos da própria Guerra (Hitler X Judeus1) como das inquietações, levantadas pela ciência, quanto à inexistência de pontos significativos nas diferenças de características fenotípicas entre grupos humanos que justificassem a hierarquização dos mesmos, ou seja, o racismo.
É importante destacar: na publicação de 15 de novembro de 1998, da revista Isto É, foi divulgada uma pesquisa, chefiada por Alan Templeton, que comparou mais de 8.000 amostras genéticas de pessoas em todo o mundo, colhidas aleatoriamente, com o in tuito de levantar as diferenças genéticas en tre elas. O resultado das análises comprovou que não é correto falar de raça, a partir da perspectiva biológica, entre os seres humanos, pois as diferenças genéticas entre os grupos humanos são insignificantes.
Nesse momento, o termo etnia se introduz no contexto acadêmico como uma nova forma de subdividir os seres humanos em suas características culturais com0: língua, tradição, territórios, momentos históricos etc. Portanto, etnia se desliga do sentido biológico, atribuído a raça, apresentando-se como "identidade social", colocando no centro do debate as construções sociais, culturais e políticas, tirando assim o foco das diferenças inatas ou naturais.
Os debates acadêmicos em torno do melhor conceito para se classificar grupos sócio-culturais foram acirrados. Muitos autores que utilizam o termo etnia reconhecem que o termo raça é mais apropriado na medida em que é a cor que está no convívio social e que seria a razão explicativa das manifestações racistas. Guimarães pontua a questão da seguinte forma: as raças não são um fato do mundo físico, elas existem, contudo, de modo pleno, no mundo social (GUIMARÃES,1999:9).
Para não perder a conotação presente na sociedade, em relação ao uso do termo raça, alguns autores optaram por utilizar o termo étnico-racial para identificar os grupos humanos. O racismo, fundamentado na existência de uma coincidência entre o fenótipo do indivíduo e/ou do grupo e as características intelectuais, morais, culturais etc, ganha' evidência durante a Segunda Guerra Mundial, quando ocorre a retomada dos argumentos do início do século XIX, que se sustentavam na crença de raças hierarquicamente ordenadas (designando-as superiores e inferiores). A própria permanência do racismo na sociedade justifica a utilização, no campo social, da categoria raça, que passa a ser utilizada, também, pelo movimento negro, na sua luta política contra toda forma de discriminação e preconceito racial.
No caso do Brasil, falar de racismo ainda é tabu. Para compreendermos essa discussão destacaremos, a seguir, quatro pontos fundamentais: 1) a crença de que somos um país relativamente harmônico no padrão das nossas relações raciais, que ainda permanece no imaginário da população brasileira, apesar de esta conviver com um racismo institucionalizado mas não assumido; 2) o fato de que tivemos insistentes teorias que trabalharam o racismo sob uma perspectiva de classe, como Guimarães ressalta: a assimetria entre o discurso classista e ra cial no Brasil, quando percebida, foi tomada, por equivoco, como prova de insignificância das 'raças' (GUIMARÃES, 1999:40); 3) o paralelismo do debate brasileiro entre raça e cor, que diferentemente de outros países nos quais as diferenças raciais eram "dadas pelo sangue", no Brasil a característica central da diferenciação firmou-se pela cor e suas gradações; 4) a discussão sobre a questão da miscigenação e os embates teóricos sobre a classificação da sociedade brasileira.
Para se entender a complexidade do racismo devemos considerar os contextos históricos, políticos, econômicos e culturais. Assim, podemos afirmar que raça e seus derivados não possuem uma existência que independa de caracteres valorativos presentes nas práticas sociais de uma dada sociedade. Outro conceito essencial para nossa temática é o de preconceito racial. Este termo significa que há uma desqualificação prévia e negativa de pessoas pertencentes a grupos étnico/raciais distintos, ou seja, sem qualquer conhecimento, referente a esses grupos, os indivíduos pertencentes a outros grupos étnico/ raciais relacionam valores negativos ao identificar o "diferente".
O preconceito é aprendido socialmente e escolhemos, ou não, reproduzi-lo, mas muitas vezes nem percebemos o quanto, no convívio social, assumimos valores e julgamentos que nos foram passados. Por isso, podemos afirmar que ninguém nasce preconceituoso (a), nós aprendemos a sê-lo nas relações sociais.
Alguns preconceitos estão tão enraizados em nossa sociedade que se tornam estereótipos, ou seja, são preconceitos cristalizados que estão presentes em nosso cotidiano e atribuem e indicam determinados traços, em geral pejorativos, de comportamento e de personalidade para alguns grupos. Exemplos de estereótipos: "mulheres dirigem mal", "toda sogra é chata", "os judeus são pão duros", "todo político é corrupto", "o negro é bom de bola" etc.
As atitudes preconceituosas contra um grupo étnico/racial, ou alguém, são chamadas de discriminação racial. A discriminação racial é o ato em si, a atitude que resulta de posições racistas e preconceituosas, assim é o momento em que se externalizam os preconceitos raciais. Esse tipo de ação pode variar desde a violência física até a violência simbólica.
No primeiro caso teremos grupos ou indivíduos extremistas que demonstram intolerância por meio de ações diretas con tra determinada população e, no segundo caso, teremos rejeições indiretas. Ambos se tiverem conotações racistas são, certamente, movidos pela construção de estigmas e estereótipos imputados aos grupos étnico raciais. Estigma é uma palavra de origem grega e se refere a sinais corporais que evidenciam que tal indivíduo não esta coerente com as normas e os padrões estabelecidos, o que o torna desacreditado perante seu grupo. O que nos interessa aqui é pensarmos que algumas características, como a cor, ao longo do processo histórico do Brasil foi sendo intencionalmente estigmatizada, ou seja, essas características eram sinônimos de desajuste social, fora do padrão, das normas e atraso. Imaginem o quanto é difícil para uma criança ou um jovem crescer sem conseguir se livrar de qualquer estigma, especialmente aqueles que são atribuídos com o sentido de inferiorizar o outro!
Como nós educadores podemos notar, quanto mais trabalhamos o tema das diferenças mais termos encontramos, os quais devem ser explorados e cuidadosamente utilizados, já que a linguagem é uma mediação fundamental entre as pessoas.
Retomando a primeira questão: será que o Brasil é realmente "cordial" e trata seus cidadãos igualmente, sem distinção de raça, cor , credo e opção sexual? 
Deve ser lembrado que a justificativa da Alemanha nazista, comandada por Hitler, era de que a "raça ariana" era superior e os judeus eram estrangeiros de raça inferior e, por isso, traziam riscos para a Alemanha.

Referências Bibliográficas:

BANTON, M. "Race". In: CASHMORE, Ellis. Dictionary of Race and Ethnic Relations. London, Routledge, terceira edição, 1994. COSTA, A. S. As Cores de Erdlia: esfera pública, democracia, configurações pós nacionais. Editora UFMG, 2002.

GOMES, N. L. e MUNANGA, K. Para Entender o Negro no Brasil de Hoje: histórias, realidades, problemas e caminhos. Coleção Viver e Aprender, Global Editora e Ação Educativa, 2004.

GUIMARÃES, A. S. A. Racismo e Anti Racismo no Brasil. Editora 34, 1999.

HOFBAUER, A. "O Conceito de 'Raça' e o Ideário do Branqueamento no século XIX:
Bases ideológicas do racismo brasileiro". Revista Teoria e Pesquisa do Departamento de Graduação e Pós-graduação em Ciências Sociais da UFSCar, 2003.

SILVERIO, V. R. Raça e Racismo na Virada do Milênio: os novos contornos da racialização. Tese de doutorado apresentada ao Departamento de Sociologia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas, 1999.



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