quinta-feira, 19 de março de 2020

Brasil do arquipélago ao continente – Integração nacional


Brasil do arquipélago ao continente – Integração nacional

Para analisarmos a evolução do território utilizaremos os conceitos propostos por Milton Santos e Maria Laura Silveira na obra “O Brasil: território e sociedade no início do sáculo XXI” (Rio de Janeiro: Record, 2001. p.28-30)


O “meio natural” é compreendido como o momento em que a natureza ainda comandava a maior parte das ações humanas, no qual as técnicas e o trabalho eram totalmente associados às dádivas da natureza. É caracterizado como o período do “tempo lento”, que se estendeu do surgimento do homem em sociedade ao advento das máquinas. Associando a caracterização do “meio natural” à caracterização geral do território brasileiro, entre o século XVI e o início do XX, é possível destacar que, durante séculos (do século XVI até 1930), o Brasil pôde ser comparado a um “arquipélago” ou país desarticulado. 1. Povoamento: concentrado no litoral e ao longo dos rios (influência do “meio natural”). Nas áreas mais distantes da costa – o sertão –, uma população dispersa se ocupava da criação extensiva de gado e culturas de subsistência. 2. Ausência de integração: as áreas econômicas mais ativas e densamente povoadas estavam isoladas umas das outras, comunicando-se apenas por via marítima (influência do “meio natural”). 3. Ocupação econômica: até meados do século XX, foi estimulada, principalmente, pela de- manda de produtos para o comércio exterior.
Entre os exemplos de conteúdos relacionados ao “meio natural” que prevaleceu no Brasil entre o século XVI e o    início do XX, e suas contrapartidas territoriais, cabe ressaltar e analisar: 1. Os ciclos econômicos e a incorporação do Brasil na divisão internacional da produção (inclusive, é interessante citar o caso da cidade de Salvador (BA) como a primeira capital escolhida em 1549 por sua posição geográfica no “coração” de um país desarticulado, cujo desenvolvimento ocorreu graças à primeira atividade agrícola de peso, a cana-de-açúcar, no Recôncavo Baiano e também na zona da Mata do Nordeste). 2. A exploração do ouro e de pedras preciosas a partir do século XVIII, responsável pela incorporação de novas regiões à fronteira econômica (os atuais Estados de Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul). 3. Como as necessidades de escoamento e de fiscalização da produção mineral deram ao Rio de Janeiro (que se tornou a segunda capital da Colônia, em 1763, conforme refletido no mapa a) as condições de desenvolvimento, ampliadas com a chegada da família real portuguesa, em 1808.
 O “meio técnico” surge quando o homem começa a se sobrepor ao “império da natureza”, por intermédio da construção de sistemas técnicos. A vigência desse meio geográfico é composta de vários subperíodos, durante os quais o território brasileiro asilou a incorporação das máquinas (telégrafos, ferrovias, portos etc.), de forma seletiva, caracterizando-se esse meio por desigualdades regionais. Em âmbito mundial, o progresso técnico era geograficamente circunscrito, instalando-se em poucos países e regiões (no caso brasileiro, um exemplo seria São Paulo. A partir do final da II Guerra Mundial (1945) e até a década de 1970, o “meio técnico” apresenta subperíodos de transição que fornecerão as bases para a instalação do “meio técnico-científico-informacional” (atual). Este se consolidará após um período de transição, cunhado por SANTOS & SILVEIRA (2001: 28) como “período técnico-científico”, baseado na tecnociência e caracterizado pela “revolução das telecomunicações”, no qual ciência e técnica passam a estar intrinsecamente ligadas, ambas regidas pelas leis do mercado , essa transição pode ser relacionada aos grandes eixos rodoviários e à maior integração dos espaços à economia nacional. Associando a caracterização do “meio técnico” à outra geral do território brasileiro entre o final do século XIX  e meados da década de 1940 , é possível salientar que, no século XIX, com o desenvolvimento da economia cafeeira no Sudeste, começou a verificar-se uma nova inflexão no processo de valorização do território brasileiro (o que também coincide com a transição entre o “meio natural” e o “meio técnico”). Suas principais características foram: 1. A construção de sistemas técnicos com o surgimento de setores comerciais e bancários, associados às novas condições de transportes e comunicações (estrada de ferro, telégrafo e etc.). 2. A relativa integração do território que, no início do século XX, era constatada em torno do Rio de Janeiro e de São Paulo, mas que, no entanto, não era efetiva nas demais regiões do país, que mantinham com aqueles centros relações tênues e esporádicas. 3. A industrialização, cujo desenvolvimento ocorreu intensamente em São Paulo e arredores, permitindo que a cidade e o Estado tivessem adquirido papel central na vida econômica do país. 4. A ocupação econômica que, na década de 1950, foi favorecida em virtude da ampliação dos esforços para equipar o espaço nacional com vias de circulação e infra- estrutura, fortalecendo as relações entre o Sudeste e as demais regiões. 5. A construção de Brasília, a nova capital do país, durante o governo de Juscelino Kubitschek (1956-1961), marco representativo do processo de interiorização, expandindo-o em direção ao Centro-Oeste e à Amazônia. Por último, vale salientar que, mais uma vez, o conjunto de processos indicados consolidou uma configuração territorial que favoreceu o Estado de São Paulo, cuja capital firmou-se como a metrópole econômica do país .
  A Construção de Brasília Em termos estratégicos e econômicos, o governo de Juscelino Kubitschek (1956-1961) foi marcado pela elaboração e aplicação do Plano de Metas, que estava dividido em seis grandes objetivos: energia, transportes, alimentação, indústria de base, educação e, é claro, a construção de Brasília, o que foi chamado de meta- síntese. Apesar da descrença generalizada de que a nova capital fosse realmente construída, Juscelino conseguiu aprovar no Congresso, em 19 de setembro de 1956, a Lei n.º 2.874, que daria seguimento ao processo de construção e criaria a Companhia Urbanizadora da Nova Capital (Novacap), responsável pela execução do projeto. Entre os objetivos básicos para a mudança da capital, destacavam-se: obedecer à Constituição de 1891, reafirmada pela de 1946; integrar o interior do país; gerar empregos; ocupar parte da mão-de-obra nordestina; e promover o desenvolvimento do interior do país, contribuindo para desafogar a Região Centro- Sul. A construção de Brasília expressava o desejo, por parte tanto dos arquitetos e engenheiros quanto dos políticos, de modernidade, de igualdade defendida pelo Estado; enfim, de mudança histórica, pois o Brasil, pela primeira vez, olhava para seu interior e não para o Oceano Atlântico e a Europa.
 Por “meio técnico-científico-informacional” pode-se entender o meio geográfico atual, cujo surgimento ocorreu a partir da década de 1970, no qual a informação passou a ser variável fundamental no período de globalização, de constituição de um mercado global e de uma unicidade técnica planetária. Seu funcionamento tem como base técnica a fusão das tecnologias da informação com as telecomunicações, gerando as novas tecnologias da informação. Embora os dados naturais expliquem aspectos das atuais diferenças regionais do território brasileiro, nas últimas décadas o crescente acréscimo de ciência e tecnologia ao território configura-se como o elemento central da diferenciação. Associando a caracterização do “meio técnico-científico- informacional” à outra geral do território brasileiro entre as décadas de 1970 e 1990, é possível destacar que desde a década de 1970 o território brasileiro apresenta novas e significativas transformações. 1. Infraestrutura e integração nacional: aproveitamento das principais bacias hidrográficas para a produção de eletricidade; modernização dos portos; construção de ferrovias orientadas para produtos especializados; desenvolvimento da rede rodoviária com a construção de autopistas nos principais eixos de circulação e de estradas vicinais, principal- mente nas áreas de maior densidade econômica; instalação de rede de telecomunicações com alcance em todos os municípios, viabilizando maior contato com o resto do mundo. 2. Diversificação econômica e desconcentração industrial: a partir das bases do desenvolvimento criadas anteriormente (sucessivos meios técnicos), a indústria tornou-se diversificada, inclusive iniciando sua desconcentração; a agricultura, por seu turno, se moderniza no Sul e no Sudeste e em outras regiões, onde se destacam os Estados de Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Goiás e Bahia. No caso do Nordeste, a difusão da irrigação permitiu o aproveitamento agrícola intensivo de parte de suas terras.
 Nova fase de urbanização: se, por um lado, nos primeiros 450 anos da história do Brasil, o povoamento e a urbanização foram praticamente litorâneos, atualmente constata-se um país urbanizado, com uma taxa de urbanização superior a 75% e diversos níveis e tipos de cidades. Fatos semelhantes expressam que o país passa por uma nova fase da organização do espaço e da urbanização, fundada em uma vida de relações mais extensa e mais intensa. Desde a década de 1970, constata-se a difusão do fenômeno urbano em todas as regiões (urbanização do território), com a multiplicação do número de cidades locais e a criação de numerosas cidades médias em todos os Estados. Ao mesmo tempo, há o surgimento de novas grandes cidades e o processo de metropolização é limitado apenas no Sudeste. 4. Região concentrada: representa a expressão mais intensa do “meio técnico- científico-informacional”, pois é a área onde se verificam de modo contínuo os acréscimos de ciência e tecnologia ao território. Embora sinais de modernização sejam constatados em todo o território, essa região é formada pelos Estados do Sul e do Sudeste e por parcelas do Centro-Oeste. Reúne o essencial da atividade econômica do país, com São Paulo mantendo o papel de metrópole nacional, baseado em sua condição de centro informacional e não mais como centro industrial.


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