domingo, 21 de fevereiro de 2010

DISCURSO SOBRE O METODO (Descartes)

DISCURSO SOBRE O MÉTODO
"[...] por desejar dedicar-me apenas a pesquisa da verdade, achei que deveria agir exatamente ao contrário, e rejeitar como totalmente falso tudo aquilo em que pudesse supor a menor dúvida, com o intuito de ver se, depois disso, não restaria algo em meu crédito que fosse completamente incontestável. Ao considerar que nossos sentidos às vezes nos enganam, quis presumir que não existia nada que fosse tal como eles nos fazem imaginar. E, por existirem homens que se enganam ao raciocinar, mesmo no que se refere as mais simples noções de geometria, e cometem paralogismos, rejeitei como falsas, achando que estava sujeito a me enganar como qualquer outro, todas as razões que eu tomara, até então, por demonstrações. E, enfim, considerando que quaisquer pensamentos que nos ocorrem quando estamos acordados nos podem também ocorrer enquanto dormimos, sem que, nesse caso, exista algum que seja correto, decidi fazer de conta que todas as coisas que até então haviam entrado no meu espírito não eram mais corretas do que as ilusões de meus sonhos. Logo em seguida, porém, percebi que, ao mesmo tempo que eu queria pensar que tudo era falso, fazia-se necessário que eu, que pensava, fosse alguma coisa.. E, ao notar que esta verdade: eu penso, logo existo, era tão sólida e tão correta que as mais extravagantes suposições dos céticos não seriam capazes de lhe causar abalo, julguei que podia considerá-la, sem escrúpulo algum, o primeiro principio da filosofia que eu procurava.

Mais tarde, ao analisar com atenção o que eu era, e vendo que podia presumir que não possuía corpo algum e que não havia mundo algum, ou lugar onde eu existisse, mas que nem por isso podia supor que não existia; e que, ao contrário, pelo fato mesmo de eu pensar em duvidar da verdade das outras coisas, resultava com bastante evidência e certeza que eu existia; ao passo que, se somente tivesse parado de pensar, apesar de que tudo o mais que alguma vez imaginara fosse verdadeiro, já não teria razão alguma de acreditar que eu tivesse existido; compreendi, então, que eu era uma substância cuja essência ou natureza consiste apenas no pensar, e que, para ser, não necessita de lugar algum, nem depende de qualquer coisa material. De maneira que esse eu, ou seja, a alma, por causa da qual sou o que sou, e completamente distinta do corpo e, também, que é mais fácil de conhecer do que ele, e, mesmo que este nada fosse, ela não deixaria de ser tudo o que é. Depois disso, considerei o que é necessário a uma proposição para ser verdadeira e correta; pois, já que encontrara uma que eu sabia ser exatamente assim, pensei que devia saber também em que consiste essa certeza. E, ao perceber que nada há no eu penso, logo existo, que me dê a certeza de que digo a verdade, salvo que vejo muito claramente que, para pensar, é preciso existir, conclui que poderia tomar por regra geral que as coisas que concebemos muito clara e distintamente são todas verdadeiras, havendo somente alguma dificuldade em notar bem quais são as que concebemos distintamente”.

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