segunda-feira, 13 de agosto de 2012

CONCEPCOES DE VERDADE


AS CONCEPÇÕES DE VERDADE

I – GREGO, LATIM E HEBRAICO
Nossa ideia da verdade foi constituída ao longo dos séculos a partir de três concepções diferentes, vindas da língua grega, da latina e da hebraica.
Em grego, verdade se diz aletheia, significando não oculto, não escondido, não dissimulado. O verdadeiro é o que se manifesta aos olhos do corpo e do espírito; a verdade é a manifestação daquilo que é ou existe tal como é. O verdadeiro se opõe ao falso, pseudos, que é o encoberto, o escondido, o dissimulado, o que parece ser e não é como parece. O verdadeiro é o evidente ou o plenamente visível para a razão.
Assim, a verdade é uma qualidade das próprias coisas e o verdadeiro está nas próprias coisas. Conhecer é ver e dizer a verdade que está na realidade e, portanto, a verdade depende de que a realidade se manifeste,enquanto a falsidade depende de que ela se esconda ou se dissimule em aparências.
Em latim, verdade se diz veritas e se refere à precisão, ao rigor e à exatidão de um relato, no qual se diz com detalhes, pormenores e fidelidade o que aconteceu. Verdadeiro se refere, portanto, à linguagem enquanto narrativa de fatos acontecidos, refere-se a enunciados que dizem fielmente as coisas tais como foram ou aconteceram. Um relato é veraz ou dotado de veracidade quando a linguagem enuncia os fatos reais.
A verdade depende, de um lado, da veracidade, da memória e da acuidade mental de quem fala e, de outro lado, de que o enunciado corresponda aos fatos acontecidos. A verdade não se refere às próprias coisas e aos próprios fatos (como acontece com a aletheia), mas ao relato e ao enunciado, à linguagem. Seu oposto, portanto, é a mentira ou a falsificação. As coisas e os fatos ou são reais ou imaginários; os relatos e enunciados sobre eles e que são verdadeiros ou falsos.
Em hebraico, verdade se diz emunah e significa confiança. Agora são as pessoas e é Deus que são verdadeiros. Um Deus verdadeiro ou amigo verdadeiro são aqueles que cumprem o que prometem, são fiéis à palavra dada ou a um pacto feito; enfim, não traem a confiança.
A verdade se relaciona com a presença, com a espera de que aquilo que foi prometido ou pactuado irá cumprir-se ou acontecer. Emunah é uma palavra de mesma origem que amém, que significa assim seja. A verdade é uma crença fundada na esperança e na confiança, referidas ao futuro, ao que será ou virá. Sua forma mais elevada é a revelação divina e sua expressão mais perfeita é a profecia.
Aletheia se refere ao que as coisas são; veritas se refere aos fatos que foram; emunah se refere às ações e coisas que serão. A nossa concepção da verdade é uma síntese dessas três fontes e por isso se refere às coisas presentes (como na aletheia), aos fatos passados e à linguagem (como na veritas) e às coisas futuras (como na emunah). Também se refere à própria realidade (como aletheia), à linguagem (como veritas) e à confiança-esperança (como na emunah).
Palavras como “averiguar” e verificar “indicam buscar a verdade”; “veredito” é pronunciar um julgamento verdadeiro, dizer um juízo veraz; “verossímil” e “verossimilhante” significam ser parecido com a verdade, ter traços semelhantes aos de algo de verdadeiro.


II - DIFERENTES TEORIAS SOBRE A VERDADE
Existem diferentes concepções filosóficas sobre a natureza do conhecimento verdadeiro, dependendo de qual das três ideias originais da verdade predominante no pensamento de um ou de alguns filósofos.
Assim, quando predomina a aletheia, considera-se que a verdade está nas próprias coisas ou na própria realidade e o conhecimento verdadeiro é a percepção intelectual e racional dessa verdade. A marca do conhecimento verdadeiro é a evidência, isto é, a visão intelectual e racional da realidade tal como é em si mesma e alcançada pelas operações de nossa razão ou de nosso intelecto. Uma ideia é verdadeira quando corresponde à coisa que é seu conteúdo e que existe fora de nosso espírito ou de nosso pensamento. A teoria da evidência e da correspondência afirma que o critério da verdade é a adequação do nosso intelecto à coisa ou da coisa ao nosso intelecto.
Quando predomina a veritas, considera-se que a verdade depende do rigor e da precisão na criação e no uso de regras de linguagem, que devem exprimir, ao mesmo temo, nosso pensamento ou nossas ideias e os acontecimentos ou fatos exteriores a nós e que nossas ideias relatam ou narram em nossa mente.
Agora, não diz que um a coisa é verdadeira porque corresponde a uma realidade externa, mas se diz que ela corresponde à realidade externa, mas se diz que ela corresponde à realidade externa porque é verdadeira. O critério da verdade é dado pela coerência interna ou pela coerência lógica das ideias e das cadeias de ideias que formam um raciocínio, coerência que depende da obediência às regras e leis dos enunciados corretos. A marca do verdadeiro é a validade lógica de seus argumentos.
Finalmente, quando predomina emunah, considera-se que a verdade depende de um acordo ou de um pacto de confiança entre os pesquisadores, que definem um conjunto de convenções universais sobre o conhecimento verdadeiro e que deve sempre ser respeitado por todos. A verdade se funda, portanto, no consenso e na confiança recíproca entre os membros de uma comunidade de pesquisadores e estudiosos.
O consenso se estabelece baseado em três princípios que serão respeitados por todos:
1. que somos seres racionais e nosso pensamento obedece aos quatro princípios da razão;
2. que somos seres dotados de linguagem e que ela funciona segundo regras lógicas convencionadas e aceitas por uma comunidade;
3. que os resultados de uma investigação devem ser submetidos á discussão e avaliação pelos membros da comunidade de investigadores que lhes atribuirão ou não valor de verdade.
Existe ainda uma quarta teoria da verdade que se distingue das anteriores porque define o conhecimento verdadeiro por um critério que não é teórico, e sim prático. Trata-se da teoria pragmática, para a qual um conhecimento é verdadeiro por seus resultados e sua aplicação prática, sendo verificado pela experimentação e pela experiência. A marca do verdadeiro é a verificabilidade dos resultados.
Essa concepção da verdade está muito próxima da teoria da correspondência entre coisa e ideia, entre realidade e pensamento, que julga o resultado prático, na maioria das vezes, é conseguido porque o conhecimento alcançou as próprias coisas e pode agir sobre elas.
Em contrapartida, a teoria da convenção ou do consenso está mais próxima da teoria da coerência interna, pois as convenções ou consensos verdadeiros costumam ser baseados em princípios e argumentos linguísticos e lógicos, princípios e argumentos da linguagem, do discurso e da comunicação.
Na primeira teoria (correspondência), as coisas e as ideias são consideradas verdadeiras ou falsas; na segunda (coerência) e na terceira (consenso), os enunciados, os argumentos e as ideias é que são julgados verdadeiros ou falsos; na quarta (pragmática), são os resultados que recebem a denominação de verdadeiros ou falsos.
Na primeira e na quarta teoria, a verdade é o acordo entre o pensamento e a realidade. Na segunda e na terceira teoria, a verdade é o acordo do pensamento e da linguagem consigo mesmos, a partir de regras e princípios que o pensamento e a linguagem deram a si mesmos, em conformidade com sua natureza própria, que é a mesma para todos os seres humanos (ou definida como a mesma para todos por um consenso)(CHAUÍ, 2004, pág. 58-61)


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Fonte bibliográfica (CHAUÍ. Convite à filosofia. S. Paulo: Ática, 2004)

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