PROFESSORES PESCADORES: Uma reflexão sobre o ensino a partir da obra De Magistro
"... mais através do conhecimento
da coisa se aprende o sinal do que se aprende a coisa depois de ter o
sinal" Santo Agostinho[1]
INTRODUÇÃO:
A maioria
das pessoas que conhecemos já pescou pelo menos uma vez na vida. Embora grande parte delas não sejam pescadoras
profissionais, todas têm consciência de duas regras fundamentais para uma boa
pescaria: a primeira, o instrumento usado para atrair e tirar os peixes de dentro
da água é o
anzol, e a segunda,
não se pode pescar onde não há peixe. Assim,
uma vez cientes dessas regras básicas, providenciam o anzol mais adequado e
procuram pelo rio ou lago mais abundante em peixes onde possam se deleitar
nessa atividade matuta.
Em certo
sentido podemos fazer um paralelo entre a pescaria e o ensino para que o
primeiro possa lançar luz sobre o segundo nos levando a uma compreensão mais clara das implicações que
envolvem a tarefa de ensinar.
Nosso ponto
de partida é santo
Agostinho, especificamente sua obra De Magistro, onde por meio de um diálogo
com Adeodato trata da questão da transmissão do conhecimento entre o mestre e
seu discípulo e o papel das palavras, signos
linguísticos, nesse processo de ensino.
PALAVRAS SÃO
ANZÓIS:
Segundo
Agostinho quando alguém fala se propõe a fazer duas coisas, ensinar ou recordar, contudo, ao contrário do que comumente se pensa,
tanto o ensino quanto a recordação não são realizados pelas palavras em si,
pois elas nada mais são que os instrumentos através dos quais se ensina ou
relembra.
Da
mesma forma que uma placa de trânsito ao sinalizar um cruzamento perigoso ou
uma curva não é o cruzamento ou a
curva em si, também a palavra nada mais é que um sinal que
aponta para algo que não é ela mesma. É por isso que Agostinho
se dirigindo a Adeodato afirma que "... com palavras não aprendemos senão
palavras ..”[2]/
Assim
Agostinho mostra que as palavras, tomadas separadamente não são instrumentos de
ensino, contudo podem ser instrumentos que possibilitem o acesso ao
conhecimento. A fim de ilustrar isso podemos dizer que palavras não são peixes,
mas anzóis.
Essa
não é uma atitude negativa
em relação as palavras, pois embora Agostinho entendesse que com as palavras
nada se ensinasse, por outro lado entendia também que nada era ensinado sem
elas.
A anedota a seguir pode ilustrar que queremos dizer:
Conta-se certa vez um ladrão foi roubar
galinha na casa do célebre Rui Barbosa. Ao vê-lo, o ilustre jurista disse:
- Não é pelo bico de bípede, nem pelo
valor intrínseco do galináceo, mas por ousares transpor os umbrais de minha
residência. Se for por mera ignorância, perdoo-te, mas se for para abusar de minha alta prosopopeia, juro pejos
tacões metabólicos dos meus calçados que te darei tamanha bordoada que transformarei sua massa cefálica
em cinzas cadavéricas.
O ladrão sem graça, perguntou:
- Como é,
eu posso levar a galinha ou não?
Observamos
nesse caso que as palavras embora bem selecionadas e colocadas não serviram
como anzóis, pois não acessaram a realidade interna do interlocutor, o ladrão
não tinha consciência plena do sentido das palavras a ele dirigidas, impossibilitando assim
o estabelecimento de um diálogo.
Assim
também, para que haja ensino é preciso que as palavras, sejam elas faladas ou escritas,
funcionem como anzóis que pesquem no in1trio do interlocutor as realidades que possam lançar luz àquilo que ouve ou lê.
NA INTERIORIDADE ESTÃO OS
PEIXES:
A
interioridade é aquela parte da vida
humana onde são armazenadas todas as informações que podem ser acessadas
através das palavras. O armazenamento dessas informações se da' pelos sentidos e, uma
vez ali armazenadas tem as palavras como símbolos.
Retomando
a ilustração da sinalização de trânsito, a placa que sinaliza o cruzamento
perigoso ou uma curva embora seja apenas uma representação, um signo, ela
aciona dentro do motorista a realidade da coisa em si, ou seja, através daquele
sinal o motorista toma conhecimento de algo que não é a placa, do cruzamento perigoso ou da curva. A questão é: onde estava a coisa em si?
Certamente não estava na placa, mas dentro do motorista que uma vez desperto através do signo, acessou uma realidade interna que correspondia à externa. A placa foi o anzol que pescou a coisa em si dentro do homem.
Certamente não estava na placa, mas dentro do motorista que uma vez desperto através do signo, acessou uma realidade interna que correspondia à externa. A placa foi o anzol que pescou a coisa em si dentro do homem.
É muito importante ressaltar aqui que as palavras não são as
"pedagogas", ou seja, elas sozinhas não são eficientes, mas podem se
tornar na medida em que auxiliam a acessar essa realidade interna que precede a
compreensão do significado da própria palavra.
Observemos
esses versos:
"Velho mate carinhoso, encilhado de erva mansa,
Quando uma china te alcança, olhando quieta pra gente,
Deve pensar, certamente, que depois de um beijo longo
O adeus é como o porongo que fica frio de repente[3]
Quando uma china te alcança, olhando quieta pra gente,
Deve pensar, certamente, que depois de um beijo longo
O adeus é como o porongo que fica frio de repente[3]
Embora
possamos ter certa familiaridade com as palavras "mate, encilhado, china e
porongo", só poderemos compreender plenamente o verso na medida em que
conhecemos as coisas que elas significam. Assim percebemos que as palavras
sozinhas nada dizem, por outro lado elas têm a propriedade de pescar as coisas
em si, que por sua vez não são palavras.
Segundo
Agostinho "Com palavras não compreendemos senão palavras (...) só depois de
conhecer as coisas se consegue, portanto, o conhecimento completo das palavras,
ao contrário, ouvindo somente as palavras, não aprendemos nem sequer estas"[4]
As
palavras que nos levam a consultar nosso interior onde se encontram imagens
como se fossem documentos armazenados que uma vez acessados pela palavra,
possibilitam a compreensão da própria palavra.
Com
isso podemos resumir o processo de ensino em duas etapas: ouvir ou ler
(palavras) e questionar o interior (em busca da coisa em si) gerando assim o aprendizado, ou seja, os sinais
externos levam a uma reflexão interna que por sua vez produz o aprendizado.
CONCLUSÃO:
A
tarefa do pescador é lançar o anzol e
esperar que os peixes sejam atraídos por ele e depois puxados para fora. Essa tarefa requer
dedicação e paciência. Não muito diferente, também o mestre precisa de dedicação e paciência para cumprir
seu trabalho. Mas um dos grandes desafios do mestre está em trabalhar as
palavras e com as palavras, de forma que elas sejam esse instrumento para
acessar o a realidade interiorizada do aluno. Para isso se faz necessário que o
mestre seja acessível, no sentido de falar de forma inteligível.
Como
isso pode se dar de forma prática? Sabe-se que nossos dias são profundamente
marcados pela presença da informática, que de forma determinante tem
influenciado alunos tanto do ensino fundamental como do ensino médio, essa linguagem da
informática pode ser um excelente ponto de partida para comunicar algo a esse
jovem. Também se faz necessário que o professor fale a partir da realidade sociocultural
do aluno possibilitando ao mesmo fazer pontes entre aquilo que ouvem ou leem
com aquilo que vivem no dia-a-dia.
Enfim, o professor precisa
aprender a arte de pescar com suas palavras, mas ao mesmo tempo em que pesca
está equipando o aluno para que pesque por si, ampliando sua capacidade intelectiva.
Bibliografia:
AGOSTINHO,
Santo. De Magistro. Coleção Os Pensadores.
3 ed. São Paulo: Abril Cultural, 1984.
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