EGOÍSMO E NARCISISMO
o egoísmo caracteriza-se como
ausência de auto-estima. Aparentemente, o indivíduo egoísta ama, sobretudo, a
si mesmo e autovaloriza-se ao extremo. Parece ter uma boa dose de amor-próprio,
mas, na verdade, é exatamente o
contrário: trata-se de uma pessoa carente que busca retirar dos outros aquilo
que lhe falta.
Por ser uma personalidade exploradora que
"quer" tudo para si, o egoísta não desenvolve a amizade. É incapaz de perceber a presença de
outros "eus" com expectativas e projetos próprios,
diferentes dos seus. Na relação a dois - amor erótico - transforma o parceiro
em objeto. O egoísta não sabe conviver de maneira sadia, pois torna os outros
apêndices de seus desejos.
O egoísmo é um traço sombrio do instinto de sobrevivência. É particularmente forte na infância e deve atenuar-se aos
poucos, com o desenvolvimento da personalidade.
Uma sociedade que reforça o individualismo cria
condições para a manutenção indefinida do egocentrismo infantil, gerando, com
isso, um comportamento patológico e doentio:
o narcisismo.
O mito de Narciso
Em tempos idos, na
Grécia, o rio Cefiso engravidou a ninfa Liríope. Meses depois, Liríope, apesar
de não desejar a gravidez, deu à luz uma criança de beleza extraordinária, Por causa disso,
Liríope consultou o adivinho Tirésias sobre o futuro de seu filho, e ele vaticinou
que Narciso viveria, desde que nunca visse sua própria imagem.
Um dia, porém, estando
sedento, Narciso aproximou-se das águas plácidas de um lago e, ao curvar-se
para beber, viu sua imagem refletida no espelho das águas. Maravilhado com sua
própria figura, apaixonou-se por si mesmo. Desesperadamente, passou a precisar
do objeto de seu amor, viu que não conseguiria mais viver sem aquele ser
deslumbrante, Sua vida reduziu-se à contemplação daquele jovem tão belo: desejava-o,
queria possuí-lo. Desvairado, inclinando-se cada vez mais ao encontro do ser
amado, mergulhou nos braços frios da morte.
Às margens do lago,
nasceu uma entorpecedora flor: o narciso. Ela relembra para sempre o destino
trágico daquele que, aparentemente apaixonado por si mesmo, era, na verdade,
incapaz de amar.
A psicologia distingue duas formas de narcisismo:
o primário e o secundário. No narcisismo
primário, a criança nos primeiros meses de vida não se distingue do mundo
exterior. Forma uma unidade tão completa com a mãe que não percebe que as
necessidades, as carências, estão dentro dela, enquanto a fonte de satisfação
está fora, na mãe. Unida com a mãe, sente-se um ser completo e feliz. Aos
poucos, começa a perceber que ela é uma
pessoa e a mãe, outra. Toma consciência de sua dependência do mundo exterior
para a satisfação de suas necessidades. Rompido o vínculo narcisista primário,
a criança dará o primeiro passo para o desenvolvimento satisfatório de sua
personalidade.
Quando esse rompimento é doloroso e insatisfatório, tem-se o narcisismo
secundário. A criança, e mais tarde o adulto, criará um ego idealizado que se
confundirá com seu próprio eu. Imaginar-se-á poderosa, sem necessidade dos
outros, e ficará envaidecida com sua pseudoperfeição. Não poderá, então,
interessar-se de verdade pelos outros, simplesmente os usará quando servirem
para o enaltecimento de seu "poder" e de suas "qualidades".
O AMOR E A SOCIEDADE NARSÍCA
O narcisismo revela a incapacidade
de relação amorosa autêntica. O narcisista só se interessa por quem alimenta a
imagem engrandecida e envaidecida que ele faz de si mesmo - o eu idealizado,
narcísico. Como esse eu não corresponde a nenhuma pessoa real, as relações
narcísicas são superficiais e insatisfatórias. O narcisista é contraditório: precisa do outro para manter sua
auto-imagem, mas não consegue relacionar-se amorosamente com ele.
A sociedade contemporânea, individualista, sem
espírito comunitário e dependente do consumo, desenvolve condições para que o
narcisismo aflore.As propagandas investem nos indivíduos, alisando-lhes o ego e
tratando-os como onipotentes e merecedores de ver todos os seus desejos
satisfeitos.
A pessoa se sente engrandecida, à medida que adquire e possui
coisas. Não admite mais as frustrações da vida, reagindo a elas de maneira
infantil e destrutiva. A insatisfação permanente, gerada pela impossibilidade
de ter os desejos satisfeitos, segundo as promessas do sistema, torna as
pessoas agressivas e violentas. A violência é a
outra forma da onipotência.
Na sociedade narcísica, quase não há mais lugar
para valores como justiça, honestidade e integridade Vigora a lei do mais
esperto, que procura levar vantagem em tudo. Os Membros dessa sociedade
comportam-se como se estivessem diante das câmeras, representando, buscando o
melhor ângulo, exibindo o melhor sorriso, caprichando na performance, porque outra característica da
personalidade narcísica é a necessidade
constante da admiração alheia. Os elogios dos outros funcionam como um
espelho em que o narcisista vê a sua própria imagem refletida. Tudo nessa sociedade
transforma-se em espetáculo, inclusive a política.
O desejo permanente de fama, sucesso e beleza leva os indivíduos a
temer e rejeitar a velhice; por isso, a eterna juventude é glorificada e a velhice,
execrada. Envelhecer é crime. Na sociedade narcísica, as pessoas são vazias,
incapazes de relações profundas e verdadeiras. Daí a quase impossibilidade de
amor entre elas. Não de ser sintomático o surgimento da expressão "ficar
com alguém". Ficar, ao contrário
de amar, é o verbo da moda.
Superar o narcisismo é desenvolver a capacidade de encontro e de
sensibilidade para com o outro, é ser capaz de responder ao seu apelo.
FONTE:
______________________
(AAVV.
Para filosofar. São Paulo: Scipione, 2002, pp. 108-111)
texto copiado do livro de filosofia "para filosofar"
ResponderExcluir