terça-feira, 15 de novembro de 2011

NARCISISMO - A IMPOSSIBILIDADE DO AMOR


EGOÍSMO E NARCISISMO
o egoísmo caracteriza-se como ausência de auto-estima. Aparentemente, o indivíduo egoísta ama, sobretudo, a si mesmo e autovaloriza-se ao extremo. Parece ter uma boa dose de amor-próprio, mas, na verdade, é exatamente o contrário: trata-se de uma pessoa carente que busca retirar dos outros aquilo que lhe falta.
Por ser uma personalidade exploradora que "quer" tudo para si, o egoísta não desenvolve a amizade. É incapaz de perceber a presença de outros "eus" com expectativas e projetos próprios, diferentes dos seus. Na relação a dois - amor erótico - transforma o parceiro em objeto. O egoísta não sabe conviver de maneira sadia, pois torna os outros apêndices de seus desejos.
O egoísmo é um traço sombrio do instinto de sobrevivência. É particularmente forte na infância e deve atenuar-se aos poucos, com o desenvolvimento da personalidade.
Uma sociedade que reforça o individualismo cria condições para a manutenção indefinida do egocentrismo infantil, gerando, com isso, um comportamento patológico e doentio: o narcisismo.

O mito de Narciso

Em tempos idos, na Grécia, o rio Cefiso engravidou a ninfa Liríope. Meses depois, Liríope, apesar de não desejar a gravidez, deu à luz uma criança de beleza extraordinária, Por causa disso, Liríope consultou o adivinho Tirésias sobre o futuro de seu filho, e ele vaticinou que Narciso viveria, desde que nunca visse sua própria imagem.
Um dia, porém, estando sedento, Narciso aproximou-se das águas plácidas de um lago e, ao curvar-se para beber, viu sua imagem refletida no espelho das águas. Maravilhado com sua própria figura, apaixonou-se por si mesmo. Desesperadamente, passou a precisar do objeto de seu amor, viu que não conseguiria mais viver sem aquele ser deslumbrante, Sua vida reduziu-se à contemplação daquele jovem tão belo: desejava-o, queria possuí-lo. Desvairado, inclinando-se cada vez mais ao encontro do ser amado, mergulhou nos braços frios da morte.
Às margens do lago, nasceu uma entorpecedora flor: o narciso. Ela relembra para sempre o destino trágico daquele que, aparentemente apaixonado por si mesmo, era, na verdade, incapaz de amar.
A psicologia distingue duas formas de narcisismo: o primário e o secundário.  No narcisismo primário, a criança nos primeiros meses de vida não se distingue do mundo exterior. Forma uma unidade tão completa com a mãe que não percebe que as necessidades, as carências, estão dentro dela, enquanto a fonte de satisfação está fora, na mãe. Unida com a mãe, sente-se um ser completo e feliz. Aos poucos, começa a perceber que ela é uma pessoa e a mãe, outra. Toma consciência de sua dependência do mundo exterior para a satisfação de suas necessidades. Rompido o vínculo narcisista primário, a criança dará o primeiro passo para o desenvolvimento satisfatório de sua personalidade.
Quando esse rompimento é doloroso e insatisfatório, tem-se o narcisismo secundário. A criança, e mais tarde o adulto, criará um ego idealizado que se confundirá com seu próprio eu. Imaginar-se-á poderosa, sem necessidade dos outros, e ficará envaidecida com sua pseudoperfeição. Não poderá, então, interessar-se de verdade pelos outros, simplesmente os usará quando servirem para o enaltecimento de seu "poder" e de suas "qualidades".

O AMOR E A SOCIEDADE NARSÍCA
O narcisismo revela a incapacidade de relação amorosa autêntica. O narcisista só se interessa por quem alimenta a imagem engrandecida e envaidecida que ele faz de si mesmo - o eu idealizado, narcísico. Como esse eu não corresponde a nenhuma pessoa real, as relações narcísicas são superficiais e insatisfatórias. O narcisista é contraditório: precisa do outro para manter sua auto-imagem, mas não consegue relacionar-se amorosamente com ele.
A sociedade contemporânea, individualista, sem espírito comunitário e dependente do consumo, desenvolve condições para que o narcisismo aflore.As propagandas investem nos indivíduos, alisando-lhes o ego e tratando-os como onipotentes e merecedores de ver todos os seus desejos satisfeitos.
A pessoa se sente engrandecida, à medida que adquire e possui coisas. Não admite mais as frustrações da vida, reagindo a elas de maneira infantil e destrutiva. A insatisfação permanente, gerada pela impossibilidade de ter os desejos satisfeitos, segundo as promessas do sistema, torna as pessoas agressivas e violentas. A violência é a outra forma da onipotência.
Na sociedade narcísica, quase não há mais lugar para valores como justiça, honestidade e integridade Vigora a lei do mais esperto, que procura levar vantagem em tudo. Os Membros dessa sociedade comportam-se como se estivessem diante das câmeras, representando, buscando o melhor ângulo, exibindo o melhor sorriso, caprichando na performance, porque outra característica da personalidade narcísica é a necessidade constante da admiração alheia. Os elogios dos outros funcionam como um espelho em que o narcisista vê a sua própria imagem refletida. Tudo nessa sociedade transforma-se em espetáculo, inclusive a política.
O desejo permanente de fama, sucesso e beleza leva os indivíduos a temer e rejeitar a velhice; por isso, a eterna juventude é glorificada e a velhice, execrada. Envelhecer é crime. Na sociedade narcísica, as pessoas são vazias, incapazes de relações profundas e verdadeiras. Daí a quase impossibilidade de amor entre elas. Não de ser sintomático o surgimento da expressão "ficar com alguém". Ficar, ao contrário de amar, é o verbo da moda.
Superar o narcisismo é desenvolver a capacidade de encontro e de sensibilidade para com o outro, é ser capaz de responder ao seu apelo.
FONTE: ______________________
(AAVV. Para filosofar. São Paulo: Scipione, 2002, pp. 108-111)

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