domingo, 16 de outubro de 2011

ÉTICA NA EDUCACAO E NA PESQUISA


A ética é estar à altura das situações?
Isabel Branco e Isolina Oliveira

A reflexão breve que aqui apresentamos leve origem nos dilemas e nas questões que se nos puseram durante a prática de investigação em educação. As nossas questões foram confrontadas com algumas leituras e com a análise de documentos como Ethical Standards of lhe American Educational Research Assocition e Ethical Guidelines Drafted by AMS Council. Resolvemos corresponder ao desafio que a Quadrante nos fez por termos consciência da importância do debate sobre ética investigativa para a comunidade educativa, e em especial; para quem está envolvido na prática de investigação. Não porque acreditemos que seja necessário um conjunto de normas ou de regras rígidas que regulem o comportamento de quem investiga, de quem financia ou até de quem participa, mas sim porque é importante em qualquer papel social ter presente um conjunto de princípios (valores) que no funde são reconhecidos como importantes e que orientam o desempenho da atividade de uma comunidade. A existência dum quadro de referência formado por concepções e valores contribuirá de certo modo para a formação de uma identidade profissional e de uma prática investigativa de maior qualidade.

Na investigação um dos dilemas que se coloca está ligado à relação do investigador com os participantes e conflitua deveres e direitos dos dois papéis em jogo - a questão do implícito. Os investigadores em educação têm muitas vezes interesse em localizar os quadros de referência, as teorias implícitas, as crenças, as experiências significativas, etc, e para o fazerem não podem esclarecer à partida os informantes sobre o que pretendem por lhes criar uma postura defensiva. O que está em questão é O que deve prevalecer, o direito dos sujeitos à verdade para poderem decidir se querem ou não que os seus pensamentos, comportamentos, memórias ou até mesmo a sua intimidade sejam devassados, ou o dever do investigador de construir conhecimento?

Poderá haver quem comente que este problema põe-se essencialmente em abordagens qualitativas. Mas será que, por exemplo, os questionários não poderão conter a mesma intencionalidade?

O problema pode agravar-se quando se publica o estudo. Que direito têm os investigadores de divulgarem os dados que foram identificados e sujeitarem-nos à interpretação, até mesmo de quem lê a publicação, sem que previamente os participantes tenham dado consentimento explícito sobre aquilo que era objeto de estudo (os valores, as concepções, as memórias, etc.)? O direito à verdade não tem o mesmo sentido para estes dois protagonistas. Este implícito pode constituir um dilema quando confrontado com o direito à informação e ao consentimento expresso dos participantes na investigação. Muito concretamente. o que poderá/deverá ser dito aos participantes sobre a investigação que se vai desenvolver, em relação ao desenvolvimento do estudo e em relação à divulgação de resultados? Que tipo de dados podem ser recolhidos e disseminados sem "devassar a intimidade" dos participantes? E que proteção deve ser dada aos participantes, de forma a que não sejam goradas as expectativas da investigação nem que os sujeitos se sintam enganados? Temos consciência que a investigação tem sempre uma parte de imprevisibilidade, e que são a experiência, o bom senso e a capacidade de negociação que resolvem, mas não é disso que estamos a falar.

Um segundo dilema tem a ver com a imagem que é criada pela investigação, ao serem reportados os resultados e as conclusões pelas implicações políticas, sociais e na identidade social de um grupo ou de um indivíduo quando da apresentação dos resultados. Será que estas implicações devem ser previstas, endereçadas aos participantes e contempladas no próprio estudo? Apontemos a seguinte situação que é muito comum na investigação em educação: as conclusões indicam que os professores interagem pouco com os alunos na sala de aula; dando assim uma imagem que os professores não fazem aquilo que seria desejável, sem indicar os critérios a que se reportam e os contextos em que se situam. Ligada a esta questão outras se levantam na apresentação e interpretação dos resultados. Quando num estudo sobre sala de aula se diz que "as moças são passivas e os rapazes são ativos" ou ainda que "os alunos africanos apresentam um desempenho escolar mais fraco que os seus pares asiáticos" são conclusões que induzem a um certo determinismo genético ou social que pode conduzir a situações discriminatórias e mesmo a aceitar o fatalismo, por não serem reportados os contextos em que isso acontece.

Outras questões prendem-se com a forma como o próprio processo de investigação pode interferir nos resultados obtidos e que tem a ver com "o como" os instrumentos de recolha de dados são aplicados, o papel que o investigador desempenha de observador ou de observador participante e que interfere sempre, e às vezes de forma não prevista, nos resultados. As formas de registro como, por exemplo, o uso de vídeo quando utilizado com permissão pode ser perturbador da ação dos participantes, escondido pode pôr em causa as relações de honestidade do investigador com o participante. Embora seja de certa forma consensual na comunidade investigativa internacional e claro nas normas da AERA (American Educational Research Association) que os riscos da investigação devem ser explícitos nem sempre é possível prevê-los.

Para terminar este breve texto, gostaríamos de deixar expresso que mais importante que chegar a soluções para os dilemas e as questões éticas de· uma forma geral, é a necessidade de se refletir quotidianamente sobre as implicações sociais e individuais da investigação educacional em que estamos envolvidos, de forma a que a ética seja uma ciência moral aplicada e adequada. Vários investigadores na área da educação (Burgess, 1989) sugerem a partir da sua prática que o desenvolver de relações de colaboração entre os que se dedicam à investigação são formas de discutir, encontrar soluções para os dilemas e as questões que vão surgindo. Pensamos que este debate sobre ética deveria ser alargado a todos aqueles que estão ligados de uma forma ou de outra à investigação educacional. Talvez a partir desse debate começassem a surgir alguns códigos éticos e porque não, o reconhecimento da investigação como atividade profissional.

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