A ética é estar à altura das situações?
Isabel Branco e Isolina Oliveira
A reflexão breve que aqui apresentamos leve origem nos
dilemas e nas questões que se nos puseram durante a prática de investigação em
educação. As nossas questões foram confrontadas com algumas leituras e com a
análise de documentos como Ethical Standards of lhe American Educational Research
Assocition e Ethical Guidelines Drafted by AMS Council. Resolvemos corresponder
ao desafio que a Quadrante nos fez por termos consciência da importância do
debate sobre ética investigativa para a comunidade educativa, e em especial;
para quem está envolvido na prática de investigação. Não porque acreditemos que
seja necessário um conjunto de normas ou de regras rígidas que regulem o
comportamento de quem investiga, de quem financia ou até de quem participa, mas
sim porque é importante em qualquer papel social ter presente um conjunto de princípios
(valores) que no funde são reconhecidos como importantes e que orientam o desempenho
da atividade de uma comunidade. A existência dum quadro de referência formado
por concepções e valores contribuirá de certo modo para a formação de uma identidade
profissional e de uma prática investigativa de maior qualidade.
Na investigação um dos dilemas que se coloca está ligado à
relação do investigador com os participantes e conflitua deveres e direitos dos
dois papéis em jogo - a questão do implícito. Os investigadores em educação têm
muitas vezes interesse em localizar os quadros de referência, as teorias implícitas,
as crenças, as experiências significativas, etc, e para o fazerem não podem
esclarecer à partida os informantes sobre o que pretendem por lhes criar uma
postura defensiva. O que está em questão é O que deve prevalecer, o direito dos
sujeitos à verdade para poderem decidir se querem ou não que os seus
pensamentos, comportamentos, memórias ou até mesmo a sua intimidade sejam
devassados, ou o dever do investigador de construir conhecimento?
Poderá haver quem comente que este problema põe-se
essencialmente em abordagens qualitativas. Mas será que, por exemplo, os questionários
não poderão conter a mesma intencionalidade?
O problema pode agravar-se quando se publica o estudo. Que
direito têm os investigadores de divulgarem os dados que foram identificados e
sujeitarem-nos à interpretação, até mesmo de quem lê a publicação, sem que previamente
os participantes tenham dado consentimento explícito sobre aquilo que era objeto
de estudo (os valores, as concepções, as memórias, etc.)? O direito à verdade
não tem o mesmo sentido para estes dois protagonistas. Este implícito pode
constituir um dilema quando confrontado com o direito à informação e ao
consentimento expresso dos participantes na investigação. Muito concretamente.
o que poderá/deverá ser dito aos participantes sobre a investigação que se vai
desenvolver, em relação ao desenvolvimento do estudo e em relação à divulgação
de resultados? Que tipo de dados podem ser recolhidos e disseminados sem
"devassar a intimidade" dos participantes? E que proteção deve ser
dada aos participantes, de forma a que não sejam goradas as expectativas da investigação
nem que os sujeitos se sintam enganados? Temos consciência que a investigação tem
sempre uma parte de imprevisibilidade, e que são a experiência, o bom senso e a
capacidade de negociação que resolvem, mas não é disso que estamos a falar.
Um segundo dilema tem a ver com a imagem que é criada pela
investigação, ao serem reportados os resultados e as conclusões pelas implicações
políticas, sociais e na identidade social de um grupo ou de um indivíduo quando
da apresentação dos resultados. Será que estas implicações devem ser previstas,
endereçadas aos participantes e contempladas no próprio estudo? Apontemos a
seguinte situação que é muito comum na investigação em educação: as conclusões indicam
que os professores interagem pouco com os alunos na sala de aula; dando assim
uma imagem que os professores não fazem aquilo que seria desejável, sem indicar
os critérios a que se reportam e os contextos em que se situam. Ligada a esta questão
outras se levantam na apresentação e interpretação dos resultados. Quando num
estudo sobre sala de aula se diz que "as moças são passivas e os rapazes são
ativos" ou ainda que "os alunos africanos apresentam um desempenho escolar
mais fraco que os seus pares asiáticos" são conclusões que induzem a um
certo determinismo genético ou social que pode conduzir a situações discriminatórias
e mesmo a aceitar o fatalismo, por não serem reportados os contextos em que
isso acontece.
Outras questões prendem-se com a forma como o próprio
processo de investigação pode interferir nos resultados obtidos e que tem a ver
com "o como" os instrumentos de recolha de dados são aplicados, o
papel que o investigador desempenha de observador ou de observador participante
e que interfere sempre, e às vezes de forma não prevista, nos resultados. As
formas de registro como, por exemplo, o uso de vídeo quando utilizado com
permissão pode ser perturbador da ação dos participantes, escondido pode pôr em
causa as relações de honestidade do investigador com o participante. Embora
seja de certa forma consensual na comunidade investigativa internacional e
claro nas normas da AERA (American Educational Research Association) que os riscos da investigação devem ser explícitos nem
sempre é possível prevê-los.
Para terminar este breve texto, gostaríamos de deixar
expresso que mais importante que chegar a soluções para os dilemas e as
questões éticas de· uma forma geral, é a necessidade de se refletir quotidianamente
sobre as implicações sociais e individuais da investigação educacional em que estamos
envolvidos, de forma a que a ética seja uma ciência moral aplicada e adequada.
Vários investigadores na área da educação (Burgess, 1989) sugerem a partir da
sua prática que o desenvolver de relações de colaboração entre os que se
dedicam à investigação são formas de discutir, encontrar soluções para os dilemas
e as questões que vão surgindo. Pensamos que este debate sobre ética deveria ser
alargado a todos aqueles que estão ligados de uma forma ou de outra à investigação
educacional. Talvez a partir desse debate começassem a surgir alguns códigos
éticos e porque não, o reconhecimento da investigação como atividade
profissional.
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