1. POR QUE A MAIORIA DAS PESSOAS É
POBRE E PARECE ACEITAR ISSO COMO NATURAL?
Por que parece normal algumas
pessoas viverem em conforto, sem problemas materiais, enquanto outras passam,
principalmente, dificuldades durante toda a vida? O que haveria de errado com o
ser humano? Por que há fartura e fome em um mesmo país, e tantas diferenças até
entre vizinhos?
Temos duas possibilidades de
resposta que merecem reflexão:
a) A primeira pode ser resumida
nesta fórmula: "Isso ocorre porque as pessoas não têm estudos", o que transfere a responsabilidade
para quem não estudou.
b) A segunda, diz respeito ao trabalho, ao se responsabilizar quem não
trabalha. Em ambas as respostas, a responsabilidade é dos próprios pobres.
Enfim, em muitos casos, aponta-se a falta de vontade das pessoas de trabalhar
ou de estudar, desenhando-se, assim, a preconceituosa e quase clássica figura
do marginalizado.
A respeito do primeiro argumento
não há dúvida de que a pobreza dos indivíduos pode ser atrelada à falta de
estudo, porém não em uma perspectiva individual e, sim, social.
A responsabilidade, neste caso, em
primeiro lugar é do Estado, e de toda a sociedade, pois em uma adequada política
educacional, bem estabelecida e duradoura, torna-se mais difícil a participação
política, base para a construção da democracia. Por outro lado. é necessária
uma crítica a respeito do comportamento de todos em relação à educação, o que
inclui pais, professores e funcionários da escola. alem de o aluno.
Responsabilizar apenas o Estado é anular completamente o compromisso de outros agentes
da educação; no entanto, restringir, também, a responsabilidade a esses agentes
indica falta de
reflexão e de entendimento sobre o papel do Estado na implantação de políticas públicas
que favoreçam a todos.
A estrutura educacional está
permeada de problemas éticos e políticos. Éticos, porque exigem o compromisso
social dos agentes: professores são interpostos entre as limitadas condições de
trabalho e os alunos; funcionários e diretores dividem-se entre as rotinas
burocráticas da escola e a educação integral do aluno e a facilitação do trabalho
do professor: os pais percebem que deve haver harmonia entre estas duas
necessidades: sua vida e a formação dos seus filhos, o que implica respeitar a
escola, sobretudo ao reconhecer a importância dos professores. No que diz respeito
aos problemas políticos, a relação é bem mais ampla e exige o compromisso de
todos os agentes, por exemplo, no sentido da construção democrática da vida
escolar, do bom uso do dinheiro público; enfim, da necessidade de vigilância
constante da sociedade em relação à melhoria da escola.
De certa forma, a discussão sobre a
educação abrange aspectos relativos também ao trabalho, já que o acesso ao
mercado e os níveis salariais estão diretamente associados ao nível de
escolaridade dos indivíduos.
2. A IDEOLOGIA
Resumindo os dois argumentos, a superação
da pobreza está associada à educação
para o trabalho e. também, ao emprego. Em certo sentido, ainda se acredita
nessa relação. Por quê? Em consequência, principalmente, da ideologia. Superar
ou eliminar a pobreza não é algo passível de ocorrer, simplesmente, por meio da
educação e do trabalho, mas pode ser resultado de políticas sociais decorrentes
de maior participação de todos quanto a decisões sobre distribuição de renda. É
bem verdade ser possível encontrar alguns indivíduos que conseguem maior renda
e acesso a outros benefícios por meio desses quesitos. No entanto,
rotineiramente, essa conquista não é uma regra; é exceção no universo social,
justamente porque se trata de conquista de alguns ou de poucos, e não de todos,
nem sequer da maioria. Por outro lado, a política da igualdade não está apenas interessada
em uns e outros, mas em todos. "Todos" é uma das palavras mais
importantes para a política que se pretende democrática, solidária e promotora
de sociedade sem exclusão.
2.1. A
IDEOLOGIA PARA MARX
Para Marx, a atividade de
sobrevivência do nosso corpo exige que produzamos, por meio do trabalho, as
condições de nossa existência, ou seja, para comer, dormir, curar nossas doenças,
morar, todas as pessoas precisam produzir os meios para sua sobrevivência. No entanto,
há pessoas que vivem à custa do trabalho alheio, ao explorar o trabalho alheio
e provocar a separação entre o homem que trabalha e o fruto de seu trabalho,
que passa a ter como finalidade beneficiar outros.
Os indivíduos que vivem da alienação
do trabalho de outros, para Marx, também criaram um sistema de crenças que
mantém e perpetua seu poder sobre a maioria. Em vez do uso puro e simples da
força, criam um discurso capaz de justificar a exploração do trabalho alheio.
Tal discurso justificador da exploração alheia é a ideologia, segundo Marx.
Assim, as pessoas acabam por considerar que é natural e justo o sofrimento
decorrente de seu lugar na sociedade. Ainda segundo Marx, a sociedade é
dividida entre aqueles que vendem sua força de trabalho e os que compram esta
força de outrem.
Os proprietários dos meios de produção
- como a terra, o comércio, as indústrias, as empresas em geral -, e, ainda, no
caso da sociedade contemporânea, os proprietários de bancos e dos grandes
veículos de comunicação, não precisam vender a força de trabalho para ninguém,
ou seja, não se tornam mercadorias. Os que não são proprietários destes mesmos
meios de produção precisam vender a sua força de trabalho, tornando-se
mercadoria.
A ideologia que justifica a
manutenção dessa diferença entre os proprietários e os não proprietários
colabora e mantém uma sociedade na qual, em outras palavras, os ricos continuam
ricos e os pobres permanecem pobres.
A ideologia é um sistema que produz
valores, representações e desejos, muitos dos quais apenas reproduzem relações
sociais sem questioná-las, justificando, assim, as condições de desigualdade
social.
3. COM OS ALUNOS
Inicialmente, peça que recortem em revistas
e jornais imagens que caracterizem a desigualdade social. Depois, com base nas
imagens. é importante discutir como é possível que as pessoas vivam naquelas
péssimas condições de moradia, saúde etc. Como é possível enxergarmos as
desigualdades e, mesmo assim, elas continuarem a existir? O que
podemos fazer? Considere a importância de discutir a questão dos discursos
ideológicos, aqueles que acabam por ajudar a manter tais condições perversas de
vida. Muitos desses discursos estão presentes na lei, na religião e na moral.
Em seguida, encaminhe a discussão para os possíveis argumentos:
Argumentos da lei – As pessoas têm o direito à
propriedade e o direito de consegui-la como resultado de seu esforço. A lei
garante a defesa da propriedade e não permite que ninguém a tome. Dessa forma,
o sistema legal defende a existência de propriedade por parte de alguns, e não
de todos. O rigor e o cumprimento da lei podem sugerir que não se deva
questionar ou criticar o fato de alguns serem proprietários e outros não.
Argumentos religiosos - Para algumas religiões, o
importante é o espírito, e pouco se dá valor ao corpo. Para outras, o corpo é sagrado
por ser a morada do espírito. Independentemente da exaltação do corpo assumida
por uma ou outra religião, aqui interessa a reflexão sobre alguns argumentos religiosos
que justificam a pobreza. Quando se valoriza a fé como a única ferramenta para
conseguir melhores condições de vida, temos uma compreensão de natureza
religiosa que precisa ser analisada com cuidado, para não se correr o risco de
anular a importância da organização e da participação de movimentos de luta por
direitos como moradia, saúde, alimentação, educação.
A pobreza pode ser vista,
religiosamente, até como virtude, ou o seu contrário, como castigo. Virtude,
porque é bom ser pobre, desapegado dos bens terrenos, porque o mais importante
é a oportunidade de crescimento e construção de riqueza espiritual. Castigo,
sob outros aspectos, também religiosos, porque a grandes fortunas são vistas
como uma dádiva divina, sem o questionamento de que resultam, na maioria das
vezes, da exploração de trabalhadores e geram desigualdade social.
Argumentos morais - A resposta moral diz que as
pessoas são pobres por causa da maldade dos ricos e pelo fato de elas não
lutarem para conseguir melhores condições de vida, ou seja, ganância de uns, e
indolência de outros. Por outro lado, afirma-se, os pobres não trabalham o
suficiente para enriquecer. Afinal, se trabalhassem e estudassem, para
além do que muitos já fazem, seriam bem-sucedidos. Em relação ao pobre, a moral
ainda ensina que é melhor ser pobre do que ganancioso: “Sou pobre, mas sou
honesto". Aqui, além de confundir pobreza com honestidade, o sofrimento de
pobreza acaba compensado por uma autoimagem positiva, mas que não garante
qualquer acesso aos bens sociais.
Em síntese, o discurso ideológico
justifica a preservação de uma sociedade de pobres e ricos, ainda que
atualmente possamos identificar muitas camadas ou muitos matizes no interior da
classe dos trabalhadores e no interior da classe daqueles que são donos dos
meios de produção e vivem do trabalho alheio. Afirmações como estas - "o
trabalho torna-se a saída para a pobreza"; "a lei tem de defender o
que as pessoas conseguiram com muito esforço"; "precisamos fazer
doações" - não são falsas, mas não dizem tudo sobre as desigualdades,
sobre o que as provoca, sobre quais seriam as possíveis soluções. São meias
verdades que constituem a ideologia. Se as elites falassem apenas absurdos,
seria fácil perceber suas estratégias. No entanto, a justaposição de meias
verdades cria uma possibilidade de crença, de confiança, de justificativa. Por
exemplo, quando se afirma que "o trabalho dignifica o homem", isso
não é mentira, mas o trabalho que dignifica o homem também pode degradá-lo e
fazê-lo sofrer, por alcançar pequenos resultados ao longo de sua vida e por
beneficiar mais outro homem do que a si mesmo.
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Fontes:
(SÃO PAULO-SEE, Caderno do professor: filosofia, EM, 1ª S., V.4, pp.12-14)
Nossa, muito bom o conteudo!
ResponderExcluirokk. Bom esse texto
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